A urgência simbólica e institucional de uma ministra negra no STF
Movimentos sociais intensificaram a cobrança ao presidente Lula para que ele indique, pela primeira vez, uma mulher negra ao STF

Quando pensamos o Supremo Tribunal Federal como espelho da sociedade, é inevitável admitir que ele falha em sua função representativa. Em 132 anos de história do STF, apenas três mulheres foram ministras, nenhuma delas negra. Essa escassez estrutural não procede de uma escassez de talento, mas de omissões deliberadas, preconceitos recônditos e hábitos institucionais que resistem à equidade.
Com a aposentadoria de Luís Roberto Barroso, movimentos sociais intensificaram a cobrança ao presidente Lula para que ele indique, pela primeira vez, uma mulher negra ao STF. A reivindicação não é um capricho simbólico, mas uma exigência ética e democrática: o Brasil já conta com juristas negras de elevada estatura, e não há justificativa lógica aceitável que tolere a continuidade da exclusão racial nesse âmbito.
Mulheres negras são hoje um dos principais grupos demográficos do Brasil. Segundo dados da Pnad Continua e estudos oficiais, elas somam cerca de 60,6 milhões de pessoas — o que equivale a algo entre 28 % e 30 % da população nacional. As populações preta e parda juntas respondem por cerca de 56 % dos brasileiros. Se tomarmos a simples regra: “quem domina institucionalmente não pode ser sempre quem domina numericamente”, o STF revela-se dissonante.
Argumentar que “não há nomes” é negar o que movimentos negros, coletivos de juristas e entidades do direito vêm apontando há anos. Já existem listas tríplices de juristas negras para vagas de tribunais superiores, apoiadas por mais de cem entidades jurídicas. A alegação de que a escolha “tem de priorizar critérios técnicos” é verdadeira apenas se descontarmos o peso institucional da raça e do privilégio. Em realidade, os critérios chamados “técnicos” historicamente servem como filtro para desligar candidaturas negras e femininas. O direito e a Justiça não são territórios neutros; são atravessados por estruturas sociais. Que se pese o currículo de uma jurista negra com o rigor que se pesa o de qualquer outro candidato, não que ela seja automaticamente descartada antes da leitura da sua trajetória.
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Indicar uma mulher negra para o STF não é apenas preencher uma cadeira: é projetar um novo horizonte institucional. Será um sinal claro de que a mais alta instância judicial reconhece erros de exclusão e decide corrigi-los. Será mensagem potente para estudantes negras, advogadas negras, cidadãs negras: elas também pertencem ao tribunal da mais alta corte.
Além disso, a nomeação teria efeito sobre decisões futuras. Tribunal contendo diversidade é tribunal mais plural em convicções, mais legítimo perante a população e menos intuitivo às pressuposições de elite, ainda que o dever de imparcialidade permaneça sagrado. No plano simbólico, cada voto dentro do STF ganhará um viés de legitimidade reforçado: não será apenas o voto daquela pessoa, mas o voto que carrega história, visibilidade e correção simbólica de injustiça.
O presidente Lula, ao preencher a vaga deixada por Barroso, enfrentará uma escolha histórico-política. Se reservar a chance para uma mulher negra, não cometerá favoritismo: redimirá omissão histórica, inaugurando um marco para a justiça racial e cumprindo um compromisso democrático que já passou do tempo de espera.
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