Agricultores pressionam Macron contra acordo que favorece o Mercosul
A mobilização denuncia a entrada de produtos importados que não seguem os mesmos padrões sanitários e ambientais exigidos na Europa

Agricultores franceses realizaram protestos em diversas regiões do país — de Versailles, cidade histórica nos arredores de Paris, onde fica o palácio símbolo do poder real, até a Occitânia, região agrícola no sul da França, próxima à fronteira com a Espanha. A mobilização, convocada pela principal aliança sindical do setor (FNSEA e Jeunes Agriculteurs), denuncia a entrada de produtos importados que não seguem os mesmos padrões sanitários e ambientais exigidos na Europa.
Na sexta-feira (26/9), cerca de 100 agricultores com 15 tratores se instalaram em frente ao Palácio de Versailles. “O objetivo dessa mobilização é, evidentemente, chamar a atenção do presidente da República”, declarou Arnaud Rousseau, presidente da FNSEA, diante da praça principal do palácio. “Há muitas questões internacionais quando produtos invadem nossos mercados sem respeitar nossas normas de produção. O presidente precisa reagir. O primeiro-ministro deve nos receber com urgência.”
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Com faixas, tratores e ações simbólicas em supermercados e alfândegas, os produtores franceses alertam para o que chamam de “concorrência desleal”. “Ajudem-nos, em vez de nos matar”, dizia uma faixa em Béziers (Sul).
“Revolta camponesa volta a Versailles”, dizia uma enorme faixa estendida sobre os tratores, envolta em fumaça verde de sinalizadores. Aos 56 anos, sendo 40 dedicados à agricultura, Pascal Verriele, secretário-geral da FDSEA de Seine-et-Marne, afirmou sentir que “chegou ao fundo do poço”. “Não tenho mais perspectiva, nem margem de manobra”, lamentou o agricultor especializado em grandes culturas. “Tem o Mercosul, os acordos com a Ucrânia que permitem cotas de importação sem tarifas. Tudo isso desestabiliza nossas propriedades.”
O chamado da principal entidade sindical agrícola ocorre justamente quando a Comissão Europeia iniciou, em 3 de setembro, o processo de ratificação do acordo com o Mercosul — tratado que a França, antes contrária, agora parece menos disposta a bloquear.
“Mas o [queijo] emmental é francês”
Em Valenciennes (Norte), agricultores da FDSEA realizaram uma “operação de controle” da origem dos produtos em um supermercado da rede Métro. “Tailândia, Bulgária, Turquia, Ucrânia, Cazaquistão… estamos dando a volta ao mundo aqui!”, ironizou Alain Dupont, produtor, ao empilhar mercadorias importadas em um carrinho. Ao encontrar queijo emmental vindo da Holanda, desabafou: “Mas emmental é francês, né? Isso é desolador.”
Em Mont-de-Marsan (Landes), a agricultora Julie Meurisse, integrante da FNSEA, esvaziou prateleiras de carnes e legumes importados. “Tentamos identificar os produtos que não têm nem o mínimo de informação sobre a origem. Hoje está muito difícil para o consumidor.”
Perto de Béziers, produtores rurais despejaram uma carga de mosto de uva em frente ao prédio da alfândega. “Isso é só um aviso. Da próxima vez, será mais severo”, alertou o viticultor e secretário-geral da FDSEA de Hérault, Cédric Saur.
“Seguimos motivados. Voltaremos, se necessário, até o fim do ano, quando será mais fácil agir nos campos”, avisou Arnaud Rousseau. A mobilização difere dos grandes bloqueios ocorridos em 2024 e 2025. Na quinta-feira, cerca de 700 produtores participaram de dez ações simbólicas, segundo a polícia. Nesta sexta-feira (26), o governo estimava cerca de 3 mil participantes em 70 ações organizadas.
Revolta
O foco da revolta é o acordo de livre-comércio entre a UE e o Mercosul, assinado no fim de 2024 e atualmente em processo de ratificação em Bruxelas. O pacto prevê a redução de tarifas para produtos como carne bovina, frango, açúcar e mel — setores sensíveis na França — enquanto facilita a exportação europeia de carros, máquinas e vinhos. Segundo os agricultores, os produtos latino-americanos entram no mercado europeu com padrões sanitários e ambientais mais baixos, sem os mesmos controles exigidos localmente.
Além do Mercosul, os produtores também criticam os privilégios concedidos à Ucrânia, que pode exportar grãos e carnes para a UE sem tarifas, e o aumento de 15% nas taxas alfandegárias impostas pelos Estados Unidos sobre vinhos e destilados europeus desde agosto.
O Brasil é diretamente afetado por esse impasse. Como principal fornecedor de carne bovina e frango do Mercosul, o país depende da ratificação do acordo para ampliar seu acesso ao mercado europeu. No entanto, a pressão dos agricultores franceses pode atrasar ou condicionar esse processo, especialmente se o governo Macron endurecer sua posição diante das mobilizações.
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