Água não vira vinho (por Mary Zaidan)
Maioria dos parlamentares só dá bola para o povo quando está sob pressão

Água não vira vinho. Portanto, embora a Câmara dos Deputados tenha aprovado por elogiável unanimidade o popular projeto do governo Lula de isenção do Imposto de Renda para quem ganha até R$ 5 mil, a índole da Casa legislativa é mais próxima daquela que votou majoritariamente na obscena PEC da Blindagem. E novas traquinagens estão previstas já para os próximos dias, tais como a retomada da proposta de anistia a golpistas e até perdão antecipado para o filho do ex, deputado Eduardo Bolsonaro (PL-SP), que continua nos Estados Unidos conspirando contra o Brasil.
Depois de lambanças em série – com aprovação da PEC da Blindagem e da urgência para votar o projeto de anistia -, Hugo Motta (Republicanos-PB), presidente da Câmara, deu um cavalo de pau nas negociações que fizera com os bolsonaristas. Colocou a anistia em banho maria, inserindo na pauta temas de interesse do país. Além das mudanças no IR, fala agora em liderar a necessária reforma admistrativa e promete, para esta semana, iniciar a apreciação do pacote de projetos sobre segurança pública. É aqui que o PL de Bolsonaro pretende incluir uma emenda para aliviar a barra do filho zero três.
Denunciado pelo procurador-geral da República, Paulo Gonet, por atuar junto ao governo americano para sancionar o Brasil e juízes brasileiros com o objetivo de livrar seu pai da condenação por tentativa de golpe, Eduardo (e também o blogueiro Paulo Figueiredo) é acusado de obstrução à Justiça, tema até então com regras frouxas que a deputada Delegada Ione (Avante-MG) pretende detalhar. Atropelando as boas intenções da parlamentar mineira, o deputado Capitão Alden (PL-BA) quer introduzir uma emenda feita sob medida para o filhote do ex, que descriminaliza a atitude anti-Brasil de Eduardo, tratando-a como liberdade de expressão.
Alden nega que sua mira seja livrar o deputado conspirador: “Não é só o Eduardo, mas todos que estão defendendo a Lei Magnitsky e defendendo sanções estão sendo enquadrados como violadores da pátria”. Fala assim, sem qualquer constrangimento, como se fosse normal e aceitável um representante do povo brasileiro atuar junto a um governo estrangeiro para chantagear e punir o Brasil. É quase inacreditável.
Na seara da anistia aos golpistas, o deputado Paulinho da Força (Solidariedade-SP), que, saudoso de algum protagonismo, agarrou-se a ferro e fogo à relatoria da matéria, afirma que apresentará o texto com a proposta de redução de penas até terça-feira. Não há nada parecido a consenso mesmo depois da dezena de reuniões realizadas com líderes e bancadas dos partidos.
A novidade da vez é diminuir para o máximo de três anos o período de prisão em regime fechado de Bolsonaro e dos demais condenados, incluindo os militares. Para tal, pretendem combinar dois crimes em um – golpe de Estado e abolição violenta do Estado Democrático de Direito -, além de alterar a progressão de regime, que passaria a ser concedido após 1/6 de cumprimento da pena, em vez do 1/4 de hoje. A ideia tem o patrocínio do poderoso Centrão.
Embalados pelo “Sem Anistia” das ruas do último dia 21, PT e demais partidos de esquerda descartam reduzir penas de golpistas. À família do ex e aos bolsonaristas-raiz só interessa o modelito amplo, geral e irrestrito. Por sua vez, o PL até diz não querer saber de benefícios penais, mas namora os acenos de menos anos de cadeia e regime domiciliar para o ex.
Mesmo fora da hora e contra a vontade da maioria do país, que rejeita a anistia, o projeto está tramitando em regime de urgência e terá, mais cedo ou mais tarde, de ser apreciado em plenário, sujeito a emendas. Já há uma uma prontinha, em que se tentará o perdão total para Bolsonaro.
Ainda que a manobra não seja bem sucedida, o retorno da anistia à pauta e a tentativa de perdão prévio ao filho do ex não deixam dúvida de que a maior parte dos parlamentares prioriza temas divorciados do país, e que a votação de questões de fundo como a isenção do IR foi mesmo um ponto fora da curva. Afinal, água não vira vinho.
Preparem-se. Talvez seja necessário voltar às ruas.
Mary Zaidan é jornalista
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