Associação que recebeu emendas de R$ 53 milhões de parlamentares do DF “atestou” própria capacidade
A legislação exige que entidades comprovem capacidade técnica a partir de documentos emitidos por órgãos públicos ou empresas, por exemplo

A Associação Moriá apresentou um atestado assinado pelo presidente, o ex-cabo do Exército Gustavo Henrique Fonseca de Deus, para tentar comprovar a própria capacidade de gerenciar emendas de parlamentares do Distrito Federal que chegam ao valor de R$ 53 milhões.
Uma das exigências para assinatura de termos de fomento, custeados com verbas parlamentares, é justamente a comprovação de capacidade técnica, conforme preveem Lei nº 13.019/2014 e o Decreto nº 8.726/2016.
Essa comprovação deve ser feita a partir de “declarações de experiência prévia e de capacidade técnica no desenvolvimento de atividades ou projetos relacionados ao objeto da parceria ou de natureza semelhante, emitidas por órgãos públicos, instituições de ensino, redes, organizações da sociedade civil, movimentos sociais, empresas públicas ou privadas, conselhos, comissões ou comitês de políticas públicas, entes estrangeiros ou entidades ou organismos de cooperação internacional”.
No caso da Associação Moriá, a entidade usou uma autodeclaração para afirmar que tem, sim, experiência para administrar os recursos, a partir de quatro projetos anteriores: três realizados com a Prefeitura de Anápolis e um com o Ministério da Cidadania. O atestado é acompanhado dos quatro termos de fomento e colaboração assinados com o município e a pasta federal.
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O presidente do Observatório Social de Brasília e especialista em gestão orçamentária e financeira do setor público, Welder Rodrigues, disse que “a simples auto declaração da própria interessada afirmando que tem capacidade técnica não cumpre o requisito legal da comprovação da experiência prévia”.
Free Fire
A maior parte das emendas de deputados e senador do DF, que corresponde a R$ 46 milhões, foi destinada para custeio de um projeto de gamers, que ensinará crianças e adolescentes a jogar games como Free Fire, Valorant, LoL, Teamfight Tactics e eFootball.
A Associação Moriá repetiu, nos três processos referentes a essas emendas de parlamentares do DF, o documento no qual ela mesmo atesta a própria capacidade para gerenciar os recursos milionários.
Veja quem enviou emenda para o projeto gamer no DF, entre 2023 e 2024:
- deputado federal Fred Linhares (Republicanos): R$ 27,6 milhões;
- senador Izalci Lucas (PL): R$ 15,5 milhões;
- deputada federal Bia Kicis (PL): R$ 1,5 milhão;
- deputado federal Julio Cesar (Republicanos): R$ 800 mil; e
- deputada distrital Paula Belmonte (Cidadania): R$ 500 mil.
A coluna Grande Angular, do Metrópoles, revelou que a Associação Moriá registrou como diretores um ex-cabo do Exército, um motorista (irmão do ex-cabo) e uma esteticista.
Entre 2023 e 2024, a Associação Moriá foi a destinatária de um total de R$ 74 milhões em emendas parlamentares – a maior parte, de R$ 53,3 milhões, é oriunda da indicação de deputados e senador do DF. A entidade indicada para gerenciar a verba milionária tem como diretor administrativo e financeiro José Vitor da Fonseca de Deus, um motorista que reside no Cruzeiro Velho (DF).
A diretora operacional da entidade é Thais Pinheiro Freitas, uma esteticista que mora em Posse (GO), e a secretária é Danielle Bezerra da Silva, uma técnica em enfermagem de Águas Lindas (GO).
O atual presidente da entidade é Gustavo Henrique Fonseca de Deus, irmão do diretor financeiro, José Vitor. Gustavo foi cabo do Exército por oito anos, até 2019.
Após a publicação da reportagem do Metrópoles, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Flávio Dino determinou a intimação da Advocacia-Geral da União (AGU) e das advocacias-gerais da Câmara e do Senado para explicarem os repasses milionários à associação suspeita.
O outro lado
O Ministério do Esporte, responsável pela análise da documento, disse que, “além da declaração [de capacidade técnica], a associação cumpriu com as exigências normativas, com a apresentação de comprovantes de experiência prévia na realização do objeto da parceria ou de objeto de natureza semelhante, conforme dispõe o art. 26, inciso III, do Decreto nº 8.726, de 27 de abril de 2016.”,
A Associação Moriá disse que “a atual gestão da entidade é formada por profissionais com perfis técnicos e sociais diversos, o que permite uma atuação multidisciplinar e alinhada aos diferentes eixos dos projetos desenvolvidos”.
“Além disso, para cada projeto formalizado pela Associação é possível instituir remuneração aos membros do Conselho Consultivo que atuarem efetivamente na prestação de serviços técnicos ou específicos. Essa remuneração respeita os valores praticados pelo mercado, considerando a natureza da função e a realidade econômica da região onde o projeto estiver sendo executado”, afirmou.
“No caso do presidente da Associação, Gustavo Fonseca, sua atuação no Ministério da Saúde e no Ministério do Esporte, permitiu ampliar a compreensão sobre políticas públicas e programas sociais, especialmente nas áreas de promoção da saúde, bem-estar, prevenção e desenvolvimento humano, pilares fundamentais para o trabalho que a Associação Moriá realiza”, declarou a entidade.
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