Bolívia em transe
Direita pode voltar ao poder após duas décadas, mas histórico de erros em pesquisas e grande número de indecisos podem guardar surpresas

A Bolívia realiza neste domingo (17) o primeiro turno de suas eleições gerais. Pairam sobre a decisão dos eleitores uma crise econômica e os limites da dependência do gás; o profundo racha do MAS (Movimento ao Socialismo), que governou o país nos últimos 20 anos e o enfraquecimento político de Evo Morales, seu maior líder; uma vontade de mudança que trouxe de volta antigos políticos da direita e o discurso neoliberal. Há apenas uma certeza. O país voltará às urnas para o segundo turno em 19 de outubro.
Com número distintos, as pesquisas apontam três candidatos competitivos. Dois são de direita. O milionário Samuel Doria Medina e o ex-presidente Jorge Quiroga. O terceiro é o presidente do Senado Andrónico Rodriguez, que foi ligado ao MAS. Segundo levantamento da AtlasIntel divulgado na última sexta-feira (15) Quiroga tem 22,3%, Medina 18% e Rodriguez 11,4%. Pesquisas anteriores colocavam Medina em primeiro e Rodriguez, que já liderou a disputa, com 5%. Mas todas apontam um alto número de brancos e nulos (14,6% para Atlas) e indecisos (8,4%).
Esses números vêm da distância do líderes da direita com os setores populares e da decisão do ex-presidente Evo Morales de defender o voto nulo, sem declarar apoio nem a Rodriguez, seu antigo aliado, nem em Eduardo Castillo, candidato oficial do MAS, que é respaldado pelo atual presidente Luis Arce – e talvez por isso amargue 2% das intenções de voto. Mais: o ex-presidente acusou todos de traidores. Com Arce o afastamento é mais antigo e culminou com a saída de Evo do MAS. Impedido de concorrer pela Justiça Eleitoral, Morales organizou em junho bloqueios de estradas em todo o país que resultaram em dezenas de feridos e quatro mortos.
Vamos a uma breve apresentação dos candidatos.
Samuel Doria Medina, 66, da Aliança Unidade, tenta chegar à presidência pela quarta vez. Empresário, fez fortuna com cimento e investe em hotéis e fast food (é dono do Burger King no país). Foi ministro do Planejamento de Jorge Paz Zamora (1989-1993) e alvo de sequestro por 45 dias pela guerrilha peruana em 1995. Seu slogan é “100 dias, carajo!” com a promessa de resolver parte dos problemas do país nesse período, com o fim do subsídio aos combustíveis, redução do Estado e austeridade fiscal.
Jorge “Tuto” Quiroga, 65,, é candidato da aliança política Livre.Assumiu o Palácio Queimado entre 2001 e 2002 após o então presidente eleito Hugo Banzer (ditador do país nos anos 1971-78) renunciar, devido a complicações de um câncer. Engenheiro formado nos EUA, tenta voltar ao poder pela terceira vez. É mais conservador que Medina, mas defende o mesmo receituário neoliberal. Trabalhou no FMI, no Banco Mundial e integrou o governo, Jeanine Áñez. Promete prender Evo Morales, condenado pela Justiça.
Andrónico Rodríguez, 36 anos, é cria de um MAS que tinha Morales e Arce do mesmo lado. Presidente do Senado, cientista político e cocalero, era a melhor alternativa de unificação da esquerda. Não funcionou e ele se afastou de ambos, partindo para uma candidatura de esquerda pelo Movimento Terceiro Sistema. É considerado um traidor pelos apoiadores de Evo. Propõe a produção estatal de baterias e outros produtos a partir de metais em abundância no país, como lítio. Difere da esquerda tradicional ao defender a austeridade fiscal e a eliminação gradual dos subsídios aos combustíveis.
Economia
A inflação é 16,92% até julho deste ano, a mais alta desde a hiperinflação dos anos 1980. Os supermercados reajustam seus preços todas as semanas. A moeda boliviana perde valor, os dólares estão escassos e a taxa de câmbio oficial é estável somente com a intervenção do governo.
Tudo porque o modelo de governo econômico masista dependia do mercado do gás, que teve queda da produção nacional acompanhada por uma redução no preço internacional. Soma-se a falta de uma política de industrialização e o descompasso na exploração das reservas de lítio.
Se tudo parece crer em um segundo turno com dois candidatos de direita, o histórico das pesquisas eleitorais pode alimentar as esperanças de Rodriguez. Nas eleições de 2020, o presidente eleito Luis Arce teve em média 13 pontos a mais do que previam os institutos. A causa, segundo especialistas, é a concentração em centros urbanos, a incapacidade de chegar aos rincões do país e o número de pessoas que decidem o voto em cima da hora. Mesmo que a esquerda chegue ao segundo turno, as previsões são de que as direitas ocupem a maioria das cadeiras na Câmara e no Senado
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