Carro era “gabinete da propina” na Assembleia do Pará, diz PF

Operação Expertise da PF aponta para suposto repasse de propina em cidades e a servidores da Assembleia Legislativa paraense

Oct 16, 2025 - 11:30
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Carro era “gabinete da propina” na Assembleia do Pará, diz PF

Gravações obtidas pela Polícia Federal (PF) no âmbito da operação Expertise, que apura desvios de quase R$ 200 milhões das áreas da Saúde e Educação no Pará, apontam que o carro de um dos suspeito de participar do esquema funcionava como um “gabinete paralelo” para a entrega de propina para agentes públicos.

A conclusão da PF vem após análise de vídeos de câmeras de segurança da Assembleia Legislativa do Pará (Alepa) e de uma agência bancária dentro da órgão, em 20 de agosto de 2025, que mostram a movimentação de Jacélio da Igreja, empresário suspeito de participar dos desvios, ao realizar saques em uma agência do Sicoob dentro do prédio público.

Depois de idas e vindas no estacionamento da Alepa, e encontros dentro do carro de Jacélio, a PF afirma que o veículo teria sido usado como um espécie de “ponto de apoio”, servindo como base para as movimentações descritas na investigação e empregado nas tratativas de negócios e suposta entrega de valores em espécie.

“Na prática, [o veículo] transformou-se em um verdadeiro ‘gabinete paralelo da propina’, onde se realizavam encontros, reuniões e a distribuição sistemática de numerário a agentes públicos, acondicionados em mochilas e sacolas de loja. Destaca-se, ainda, a gravidade de tais encontros terem ocorrido no interior da Alepa, ‘casa do povo’, afirma a corporação em relatório sobre o caso.

Como mostrou a coluna, ao longo das apurações, a PF chegou a monitorar a movimentação de saque e a suposta entrega de valores em órgãos públicos do Pará. Um dos envolvidos nesses trâmites era Jacélio, sócio da Líder Engenharia, uma das empresas sob suspeita.

As novas imagens, que levaram à deflagração da segunda fase da operação Expertise na última quinta-feira (9/10), começam com Jacélio estacionando seu carro, um Toyota SW4, no subsolo da Alepa, por volta das 16h. Ele só iria deixar o local horas depois, perto das 19h.

Segundo a PF, as câmeras da Alepa abrangem áreas comuns da Casa Legislativa, como halls, corredores, escadas e plenários, não havendo registros do interior dos gabinetes parlamentares. Já as câmeras do Sicoob registram tanto ambientes internos, como o cofre, mesas de gerentes e caixas, e externos, incluindo vagas de estacionamento em frente à agência.

“A análise conjunta desses registros possibilitou um acompanhamento praticamente contínuo dos investigados, permitindo identificar o desenrolar dos acontecimentos e proporcionando uma compreensão mais ampla dos fatos apurados”, afirma a PF.

A corporação também ressalta que há pequenas divergências temporais entre os horários registrados nas câmeras da Alepa e da agência, de aproximadamente cinco minutos de diferença. Dessa forma, para padronizar a descrição dos fatos, foi utilizado como referência o horário das gravações da Assembleia. PF e CGU deflagram operação Expertise no ParáPF e CGU durante deflagração da primeira fase da operação Expertise, no Pará

A movimentação dos suspeitos

Por volta das 16h05, de 20 de agosto, Jacélio desce de seu carro segurando uma mochila e adentra na agência do Sicoob. A PF afirma que a mochila “aparenta estar vazia, pois ele a segura de forma leve, sem esforço aparente”. Na sequência, ele se encaminha para uma sala interna, onde não há filmagem, e de onde sai depois de pouco mais de dois minutos.

As imagens mostram o empresário entrando diversas vezes dentro da agência, onde teria pego dinheiro em espécie.

Uma das evidências utilizadas pela PF para afirmar que seu carro teria sido usado como “gabinete paralelo” para tratativas envolvendo o repasse de propina foi seu encontro, nesse mesmo dia das gravações, com a vice-prefeita de Marituba (PA).

Como mostrou a coluna, após deixar a agência da Sicoob dentro do prédio da Alepa, Jacélio teria repassado uma sacola da loja de sapatos Arezzo, supostamente com dinheiro dentro, para Bárbara Bessa Marques, vice-prefeita do município.

Ela foi alvo de um mandado de prisão no âmbito da segunda fase operação Expertise e acabou sendo exonerada do cargo que ocupava na secretaria municipal de educação.

A PF também apura o suposto envolvimento da irmão da vice-prefeita, Beatriz Bessa Marques, também servidora de Marituba. A suspeita é de que ela estava dirigindo o carro em que Bárbara entrou depois de pegar o dinheiro com Jacélio no estacionamento da Alepa.

Operação Expertise

A operação, batizada de Expertise, apura a atuação de uma organização criminosa voltada ao cometimento de crimes contra a administração pública e a lavagem de dinheiro, mediante a contratação fraudulenta de empresas por diversos órgãos públicos estaduais e municipais do Pará, por meio da utilização de recursos federais oriundos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (FUNDEB) e do Fundo Nacional de Saúde (FNS).

Segundo a PF, as investigações mostram a existência de um “modus operandi” que envolve empresários, servidores públicos e empresas de fachada.

O esquema também inclui o direcionamento de licitações, adesões irregulares a atas de registro de preços, simulação ou execução parcial de contratos administrativos, repasses de vultosos valores públicos e, posteriormente, o saque em espécie e redistribuição desses recursos entre os agentes integrantes da organização.

Segundo a investigação do caso, o primeiro passo do esquema se dava a partir do firmamento de contratos milionários fraudulentos entre as empresas investigadas e órgãos vinculados ao governo do estado do Pará, tais como os citados Detran e Polícia Científica, ou a Alepa.

Segundo a decisão que autorizou as ações da PF na primeira fase da operação, em setembro, processos licitatórios eram autorizados, montados e realizados por funcionários ocupantes de cargos chave de órgãos públicos participantes no esquema, havendo suspeita de direcionamento a determinadas empresas.

Em seguida, diz o documento, eram realizados os pagamentos de valores milionários às empresas participantes do esquema, mesmo sem a realização do objeto do contrato.

Na última etapa, eram realizados saques de valores em espécie de contas vinculadas às empresas investigadas ou de pessoas físicas e jurídicas a elas associadas. Em seguida, tais valores são entregues em mãos a autoridades públicas corruptas vinculadas aos entes estatais.

“Há também a transferência direta entre contas vinculadas a empresas investigadas e autoridades públicas”, diz o juiz que assina a decisão.

Defesa

Em nota, a prefeitura de Marituba (PA) afirmou que está colaborando integralmente com as investigações conduzidas pela Justiça e pelos órgãos competentes. “Todas as medidas administrativas necessárias foram adotadas para garantir a transparência e contribuir com o pleno andamento das investigações”.

Já a Assembleia Legislativa afirmou que não figura como parte no inquérito, e só tomou conhecimento da investigação no momento do cumprimento dos mandados de busca e apreensão, realizados em 2 de setembro de 2025, nas dependências utilizadas servidores.

“Ressalte-se que não foi identificada ou está sendo investigada qualquer irregularidade no âmbito da gestão administrativa da Alepa, sendo os elementos da apuração direcionados a outras entidades alheias à estrutura da Casa Legislativa. O controle de acesso às áreas internas e ao estacionamento da instituição encontra-se em fase de implementação, como parte de medidas administrativas voltadas ao aperfeiçoamento da segurança e da gestão de fluxos internos”, afirma.

No que se refere à presença do empresário Jacélio Igreja nas dependências do órgão no dia 20 de agosto de 2025, a Alepa diz que “não há qualquer registro formal de entrada em nome do referido indivíduo na referida data e ressalta que o prédio-sede da Assembleia abriga agências bancárias com atendimento ao público externo, “o que justifica a circulação de visitantes no local”.

A coluna entrou em contato com as defesas de Bárbara e Jacélio desde domingo (12/10), mas não houve retorno até a publicação da reportagem.

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