Caso Edward: juiz apresentou novo documento e voltou a receber salário
Juiz aposentado José Eduardo Franco dos Reis fingiu se chamar Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield por mais de 40 anos

O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) voltou a pagar o salário de José Eduardo Franco dos Reis, juiz aposentado que fingiu ser descendente de lordes ingleses. Ele usou documentos falsos e fingiu se chamar Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield por mais de 40 anos.
Com rendimento líquido de mais de R$ 130 mil, de acordo com Portal da Transparência do tribunal, José Eduardo deixou de receber os pagamentos em abril, dias antes da corte abrir um procedimento administrativo contra o ex-magistrado. No entanto, ele deve voltar a receber a aposentadoria.
Em nota, o TJSP informou que os pagamentos ao magistrado foram interrompidos porque o CPF vinculado ao seu cadastro estava suspenso por decisão judicial. Contudo, ele teria voltado a receber após a apresentação da documentação com os dados verdadeiros.
“Importante esclarecer que a alteração do nome do magistrado diz respeito exclusivamente à regularização de dados cadastrais. Há processo criminal em curso para apuração de falsidade ideológica e, também, procedimento administrativo na Corregedoria Geral da Justiça, que correm sob sigilo”, destacou a corte.
O último pagamento feito ao ex-juiz foi em março deste ano. Na época, ele recebeu R$ 153.230,85 bruto, com rendimento líquido de R$ 132.511,56. Em abril e maio, o Portal da Transparência não indica pagamento de salário. Os dados de junho ainda não foram atualizados.
TJSP alterou nome do juiz
Em ato publicado no Diário de Justiça dessa quarta (25/6), o TJSP alterou o nome do ex- juiz no sistema da corte. Com isso, o tribunal abandonou a identificação “Edward Albert Lancelot Dodd-Canterbury Caterham Wickfield” e passou a adotar o nome verdadeiro: José Eduardo Franco dos Reis.
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José Eduardo Franco dos Reis é o nome verdadeiro do juiz aposentado Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, segundo MPSPReprodução2 de 2
O documento com nome falso usado pelo juiz José Eduardo Franco dos ReisReprodução
Entenda o caso
- José Eduardo usou o nome falso por mais de 40 anos, fingindo ser descendente de lordes ingleses.
- Em uma entrevista em 1995, ele chegou a afirmar que era “descendente de nobres britânicos”.
- Em denúncia por falsidade ideológica e uso de documento falso, o Ministério Público de São Paulo (MPSP) aponta que José Eduardo enganou uma série de instituições públicas se passando por Edward.
- Com a identidade falsa, ele entrou na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), onde se formou em 1992. A instituição afirmou ser difícil que o diploma concedido ao magistrado seja cassado, mesmo que ele seja condenado por falsidade ideológica.
- Em 1995, foi aprovado no concurso de juiz de Direito, passando a exercer a magistratura até a aposentadoria da 35ª Vara Cível Central da Comarca de São Paulo, em abril de 2018.
- Segundo o Portal da Transparência do TJSP, o ex-juiz teve vencimento bruto no valor de R$ 166.413,94 em fevereiro deste ano. O valor considera gratificações, indenizações e outras vantagens. O rendimento líquido fica em R$ 143.290,55.
- Em abril, o tribunal suspendeu pagamentos de qualquer natureza a Eduardo. Em seguida, a corte abriu um procedimento administrativo contra o juiz.
- Em dezembro do ano passado, o ex-magistrado também mentiu para a Polícia Civil sobre seu endereço residencial. Ele disse que mora na Vila Mariana, mas a casa informada é ocupada por uma mulher que nunca viu José Eduardo.
Como surgiu a suspeita?
Segundo a denúncia do MPSP, no dia 3 de outubro de 2024, José Eduardo compareceu ao Poupatempo Sé para solicitar a segunda via do RG, afirmando ser Edward Albert. Na ocasião, ele apresentou uma certidão de nascimento falsificada com o nome de origem inglesa.
O Poupatempo colheu, então, as impressões digitais do suposto Edward para fazer a nova via do RG. Quando as digitais entraram nos sistemas de identificação automatizados, no entanto, o computador apontou que elas pertenciam, na verdade, a um homem chamado José Eduardo Franco dos Reis.
Por causa das inconsistências, a Polícia Civil abriu uma investigação contra o suspeito, que terminou comprovando uma duplicidade de registros. José Eduardo tinha conseguido não apenas fazer um documento de identidade em nome de Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, como também tinha título de eleitor, CPF e passaporte com a identidade falsa.
A denúncia afirma, ainda, que José usou o passaporte com nome inglês para deixar o país, depois que a fraude foi descoberta.
“Tais documentos, à época, não contavam com quaisquer dispositivos gráficos ou materiais de segurança, sendo facilmente falsificáveis. De outra banda, até a adoção dos sistemas eletrônicos, excetuadas pesquisas em investigações criminais, não havia condições de comparação de impressões dígito-papilares colhidas quando da identificação civil, razão pela qual não foi possível identificar que se tratava da mesma pessoa”, diz a denúncia.
Com o sistema automatizado de agora, no entanto, foi possível descobrir a mentira.
“[José] somente foi descoberto porquanto não imaginava, por incrível que isso possa parecer a um magistrado aposentado, que os sistemas de identificação não iriam confrontar as impressões dígito-papilares”, disse o promotor Maurício Salvadori na peça.
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Quem é José Eduardo?
Nascido em Águas da Prata, no interior paulista, José Eduardo tem 67 anos e afirmou à polícia ser um artesão. Segundo a investigação, ele é filho de pais brasileiros. O MPSP afirma que o homem criou um personagem fictício, Edward Albert Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield, em 1980.
Em 19 de setembro daquele ano, o paulista foi ao Instituto de Identificação Ricardo Gumbleton Daunt (IIRGD) e afirmou ser filho de Richard Lancelot Dodd Canterbury Caterham Wickfield e de Anne Marie Dubois Vicent Wickfield para conseguir uma identidade.
Alegações do ex-juiz e da defesa
Em depoimento à Polícia Civil em dezembro de 2024, José Eduardo afirmou que, após a morte de seu pai, sua mãe contou que ele tinha um irmão gêmeo. A criança teria sido doada a outra família e seria Edward Albert.
O acusado disse que conheceu o suposto irmão no início da década de 1980, quando Edward “veio ao Brasil”. Segundo ele, o irmão teria vivido aqui até se aposentar, mudando depois para Londres, na Inglaterra.
A defesa dele afirmou à Justiça que José Eduardo apresenta características que podem ser associadas ao diagnóstico de Transtorno de Personalidade Esquizóide (TPE).
Os advogados Alberto Toron e Renato Marques Martins anexaram um laudo médico em resposta à acusação apresentada na ação penal em que o ex-magistrado é réu. Eles pedem que a Justiça instaure um incidente de insanidade mental, para que o estado psicológico de José Eduardo seja avaliado.
Segundo o laudo, Reis desenvolveu o TPE após uma decepção com a vida no exterior e a frustração por não ter conseguido realizar o sonho de viver em um país de língua inglesa. Ele teria criado o novo nome como uma forma de renascer como outra pessoa.
Os advogados alegam, ainda, que o homem não pode ser condenado pelo crime, pois não obteve vantagens com a farsa.
Nome falso tem referências na literatura inglesa
O Metrópoles mostrou anteriormente que o nome usado por José Eduardo tem referências na literatura inglesa, em clássicos de Charles Dickens e Geoffrey Chaucer. Partes do sobrenome também podem ser conectadas a uma cidade da Inglaterra e à história do Rei Artur, da cultura medieval da região.
Os dois primeiros nomes, Edward Albert, são os mesmos do autor do livro “História da Literatura Inglesa”, publicado pela primeira vez em 1923, na Grã-Bretanha. Lancelot, por sua vez, é o nome do homem que tem um caso com a esposa do Rei Artur, na famosa história medieval europeia.
Já Canterbury lembra “The Canterbury Tales”, a coleção de histórias de Geoffrey Chaucer, enquanto Caterham é o nome de uma cidade inglesa. Wickfield, por fim, é o sobrenome da personagem Agnes Wickfield, do romance David Copperfield, de Charles Dickens.
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