Delegado que mandou matar jornalista recebe aposentadoria de R$ 30 mil

Ex-delegado da Polícia Civil do DF, Ary Sardella foi mandante da morte de um jornalista em 1984 e recebe aposentadoria de R$ 30 mil

Nov 9, 2025 - 05:00
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Delegado que mandou matar jornalista recebe aposentadoria de R$ 30 mil

“Aqui só se fala a verdade, somente a verdade. Doa a quem doer”. Esse era o bordão utilizado pelo repórter policial Mário Eugênio Rafael de Oliveira, 31 anos, assassinado por policiais no estacionamento da Rádio Planalto, na Asa Sul, na noite do dia 11 de novembro de 1984. À época, o Brasil vivia os horrores da ditadura militar.

O mineiro de Comercinho denunciou um grupo de extermínio composto por policiais civis e militares do Exército, que teriam matado um dono de uma chácara em Luziânia, Entorno do DF. A denúncia acabou custando a vida do apresentador do programa “O gogó das sete” e editor da página policial do Correio Braziliense.

Mário foi executado no estacionamento da Rádio Planalto, no Setor de Rádio e TV Sul, com uma facada na nuca e tiros disparados por uma espingarda calibre 12 e um revólver “magnum”, calibre 381. O crânio do jornalista ficou desfigurado.

O inquérito policial do crime apontou sete suspeitos de envolvimento no assassinato. Todos foram denunciados pelo Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) e pronunciados ao Tribunal do Júri, mas a maioria cumpriu a pena mínima e respondeu em liberdade.

Entre os mandantes que chegaram a ser condenados, mas tiveram seus processos arquivados após inúmeros habeas corpus impetrados, estavam o então secretário de Segurança Pública do DF, o coronel do Exército Lauro Melchiades Rieth, e o chefe titular da Delegacia Especializada da Polícia Civil do DF (PCDF), delegado Ary Sardella.

O coronel Rieth era bastante criticado por Mário Eugênio e acusado de ter participado de outros crimes, chegando a apreender uma arma e um carro do jornalista, antes de silenciá-lo fatalmente. Foi revelado, anos depois, que antes de mandar matar o jornalista, o ex-secretário teria sido questionado sobre o “esquadrão da morte” e confirmou a informação para Mário: “Tem participação de militares do Exército, publica se tiver coragem”, teria dito o coronel.

No Portal da Transparência da União consta que a filha de Rieth recebe uma pensão militar mensal de R$ 35 mil desde outubro de 2018, deduzindo-se então que o ex-secretário tenha falecido há sete anos.

O ex-coronel do Exército não foi o único participante do crime que gozou de altos salários pagos pelos cofres públicos. Ary Sardella, hoje com 88 anos, recebe uma remuneração cheia de mais de R$ 30 mil. 4 imagensAry Sardella na década de 80Mário Eugênio atuando como jornalista na década de 80Fechar modal.1 de 4

Mário Eugênio foi assassinado no estacionamento do prédio da Rádio PlanaltoReprodução/Portal dos jornalistas2 de 4

Ary Sardella na década de 80Reprodução/Redes sociais4 de 4

Mário Eugênio atuando como jornalista na década de 80Reprodução/TJDFT

“O mestre do tiro”

Diferente de outros ex-presidiários, que sofrem com a ressocialização mesmo após cumprir pena, a condenação e o histórico do ex-delegado de polícia não fez com que ele enfrentasse grandes problemas após solto.

Apaixonado por armas, o capixaba Ary Sardella foi atleta de tiro esportivo na capital federal, ganhando inúmeras medalhas. O hobby se transformou em trabalho após sua aposentadoria na PCDF, onde ele se tornou instrutor de tiro e presidente da Federação Brasiliense de Tiro Esportivo, de 2001 a 2003. Anos depois, Sardella ainda trabalhou como árbitro nas competições realizadas na capital federal.

Um jornal informativo do Sindicato dos Delegados de Polícia (Sindepo) e da Associação de Delegados (Adepol), veiculado em janeiro de 2019, exalta a história do mandante da morte de Eugênio e o intitula como “O mestre do tiro esportivo”, contando a trajetória do policial que saiu do Espírito Santo e se tornou delegado no DF ainda na década de 1970.

Na época do informativo, a matéria ainda serviu para fazer marketing pessoal do ex-delegado que dava aulas como forma de complementar a sua renda de aposentado. “Se você se interessou em conhecer mais sobre o Tiro Esportivo, em Brasília é possível ter aulas com o próprio Ary Sardella”, dizia a matéria.

Além da longa trajetória no tiro esportivo, ao pesquisar o nome de Sardella, é possível encontrar vários atletas de jiu-jitsu exaltando o ex-delegado como “mestre” da arte marcial. O ex-policial se tornou faixa coral da modalidade, e recebeu das mãos de Hélio Gracie, um dos maiores nomes da modalidade, a graduação máxima do esporte. Ary usa uma página no Instagram com posts apenas sobre jiu-jitsu, mas não faz postagens desde 2018.

Outros envolvidos na morte

Além do ex-coronel e do ex-delegado citados acima, os outros participantes condenados foram o sargento Antônio Nazareno Mortari Vieira e os cabos David Antônio do Couto e Aurelino Silvino de Oliveira, do Pelotão de Investigação Criminal (PIC) do Exército.

A esposa do ex-sargento do Exército Brasileiro Antônio Mortari recebe atualmente uma pensão militar de R$ 2.837,87. Não foram encontradas informações sobre remunerações envolvendo os cabos David Antônio e Aurelino Silvino.

Ainda foram apontados os agentes de polícia Iracildo José de Oliveira e Divino José de Matos, conhecido como Divino 45 e acusado de ter efetuado os disparos.

Iracildo José faleceu em 1999, enquanto Divino 45 foi aposentado alegando problemas mentais, o que fez seu julgamento ser adiado em 10 anos. O assassino de Mário Eugênio recebe R$ 4,7 mil por mês como aposentado da Polícia Civil.

Participantes do crime

  • Divino José de Matos (Divino 45):  matou Mário Eugênio com uma espingarda calibre 12 e de um revólver calibre 38/357, magnum, municiados com cartuchos e balas especiais e foi condenado a 14 anos de prisão. Ele foi capturado em 2003 e passou a cumprir pena na Penitenciária da Papuda. Em 2010, Divino recebeu um parecer favorável ao indulto pleno, mas a decisão final ficou a cargo do juiz da Vara de Execuções Penais.
  • Antônio Mortari: esteve fortemente armado e fazendo escolta para que o crime acontecesse. O militar chegou a ser condenado a 27 anos de prisão, mas estava em liberdade desde 2019. Porém, em 2015, também foi condenado a 23 anos de reclusão pelo STJ, por latrocínio e ocultação de cadáver cometidos em Cocalzinho de Goiás, Entorno do DF, em 1984. A reportagem não conseguiu confirmar se o homem ainda cumpre pena em regime fechado.
  • David Antônio do Couto: dirigia o Volkswagen Sedan usado para fugir do local do crime e cumpriu pena mínima, respondendo em liberdade anos depois. Não há informações sobre o atual paradeiro do ex-militar.
  • Iracildo José de Oliveira: estava no mesmo carro que Antônio Mortari e foi julgado e condenado pelo assassinato de Eugênio a dois anos e meio de prisão. Pegou uma das maiores penas e chegou a ser preso, mas morreu em 1999.
  • Aurelino Silvino de Oliveira: próximo da cena do crime, Aurelino simulou uma diligência policial destinada a prender um suspeito ao lado de outro policial. Não há informações sobre o atual paradeiro dele.
  • Moacir de Assunção Loiola: o policial também foi suspeito de participação no crime, morreu cerca de um ano depois do crime, enquanto o caso ainda era julgado pelo TJDFT. A morte foi tratada como suicídio na época, mas foi levantada a suspeita de que fosse queima de arquivo.

Mesmo com as condenações dos criminosos, entre aposentadorias e pensões, os cofres públicos do Distrito Federal e da União gastam mais de R$ 70 mil somados no total. A morte, de certa forma esquecida, ainda está registrada em acervos do MPDFT e do TJDFT. Durante o período da ditadura militar no Brasil, 25 jornalistas foram dados como mortos e desaparecidos, além de centenas de profissionais perseguidos e censurados.

O Metrópoles procurou a Polícia Civil do DF, o Sindicato dos Delegados e o Exército Brasileiro, mas não obteve retorno até a atualização mais recente desta matéria.

A defesa dos condenados pelo crime não foram localizadas pela reportagem. O espaço segue aberto para manifestações.

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