Ex-assessor revela como funcionava esquema de venda de sentenças em tribunal
Depoimento de ex-assessor, relatórios do Coaf e análise processual feita pela PF embasam operação contra venda de sentenças no TJPI
Um assessor que trabalhou por dois anos com o desembargador José James Gomes Pereira, do Tribunal de Justiça do Piauí (TJPI), detalhou à Polícia Federal como funcionava um esquema de compra e venda de sentenças no gabinete do magistrado.
O depoimento do assessor, junto a relatórios financeiros do Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) e a análise de movimentações processuais no TJPI, embasaram pedidos de busca e apreensão da Polícia Federal, no início deste mês, contra organização criminosa suspeita de grilagem de terras no Piauí por meio de compra de sentenças do tribunal estadual. A coluna teve acesso ao documento elaborado pela PF.
Além do próprio desembargador José James, são investigados a filha dele, a advogada Lia Rachel de Sousa Pereira Santos, e o produtor rural João Antônio Franciosi, dono do grupo Franciosi, além de outros empresários e advogados.
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Quem é quem no esquema de venda de sentenças do TJPIArte/ Metrópoles
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O denunciante João Gabriel Costa Cardoso trabalhou entre 2021 e 2023 como assessor do desembargador do TJPI. Ele começou como estagiário e chegou a assumir a função de vice-presidente do gabinete.
João Gabriel contou à Polícia Federal que a filha de José James mandava e desmandava no gabinete do pai. Nas palavras dele, Lia Rachel exercia influência significativa sobre os processos que tramitavam, especialmente naqueles de interesse dela. O ex-assessor também denunciou um suposto esquema de rachadinha no gabinete.
“Ela [Lia Rachel] possui o poder de determinar quais processos devem receber atenção prioritária e, em alguns casos, de influenciar diretamente o desfecho das decisões”, diz o relatório da PF, com base no depoimento de João Gabriel. “Ele [João Gabriel] afirmou que mantinha reuniões semanais com ela [Lia Rachel], onde recebia diretrizes sobre a movimentação processual, incluindo quais processos deveriam ser priorizados e quem deveria ser beneficiado.”
Segundo a Polícia Federal, Lia Rachel recebeu dinheiro, por exemplo, pela venda das decisões judiciais relacionadas a um processo de interesse do empresário João Antônio Franciosi. O produtor rural é suspeito de pagar R$ 26 milhões para comprar a sentença que o beneficiou.
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João Antonio Franciosi, dono do grupo Franciosi e suspeito de pagar R$ 26 milhões para comprar sentença no TJPIDivulgação/ Grupo Franciosi
João Antonio Franciosi, dono do grupo Franciosi e suspeito de pagar R$ 26 milhões para comprar sentença no TJPIDivulgação/ Grupo Franciosi
João Antonio Franciosi, empresário dono do grupo Franciosi e suspeito de pagar R$ 26 milhões para comprar sentença no TJPIDivulgação/ Grupo Franciosi
Ubiratan Franciosi, sócio de João Franciosi, também é investigado pela Polícia Federal no esquemaDivulgação/ Grupo Franciosi
Desembargador José James, do TJPIDivulgação/ TJPI
Desembargador José James, do TJPI, e a filha Lia Rachel, que é advogadaReprodução/ Instagram
Desembargador José James, do TJPI, e a filha Lia Rachel, que é advogadaReprodução/ Instagram
A advogada Lia Rachel, filha do desembargador José JamesReprodução/ Instagram
“Além dos valores recebidos em sua conta bancária pela venda das decisões judiciais, também ocultou a origem ilícita dos pagamentos feitos pelas vendas dos atos processuais viciados assinados por seu pai, tendo recebido parte dos valores através de pagamento aos vendedores da casa que comprou no Condomínio Aldebaran Ville em Teresina”, detalha o relatório de investigação.
A PF enfatiza ainda que, além das decisões judiciais que Lia Rachel comercializou em razão da função do pai, ela é “dona de fato de um cargo de assessor no gabinete, de onde emite ordens de como devem ser expedidas as decisões conforme sejam favoráveis aos seus interesses econômicos”.
Ex-assessor denuncia esquema de rachadinha no TJPI
João Gabriel detalhou também que, ao assumir o cargo de assessor no gabinete do desembargador José James, precisou repassar parte do seu salário para Francisco Jailson Holanda de Sousa. Atualmente Jailson é policial rodoviário federal (PRF), mas trabalhou no gabinete do desembargador na vaga que mais tarde seria ocupada por João Gabriel. Ele é sobrinho da esposa do magistrado.
“Foi acertado com Jailson que após assumir o cargo de assessor, uma parte do salário dele [João Gabriel] deveria ser enviado para a irmã de Jailson que estava desempregada, e isso seria uma forma de ajudar ela; que concordou porque seria uma melhora para ele (João Gabriel) e para a sua família o novo cargo; que o primeiro pagamento a Jailson foi feito em espécie, entregue “em mãos”; que acredita que o valor se referia a aproximadamente 30% do seu salário; que os próximos pagamento Jailson pediu para que fosse depositado na conta da irmã dele”, relata a PF.
O denunciante afirmou que logo deixou de fazer os pagamentos, o que teria deixado Jailson bastante chateado.
João Gabriel contou ainda que Jailson pegava o token do gabinete do desembargador nos finais de semana quando estava de folga e assinava alguns processos, mesmo já tendo assumido o cargo na PRF.
“Jailson tinha conhecimento das ordens que Lia Raquel dava para João Gabriel e que indiretamente participava do cumprimento dessas ordens no serviço do gabinete; que era frequente o visita de Jailson ao gabinete quando ele estava de folga da PRF”, prossegue a Polícia Federal.
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