Força e inteligência: especialistas analisam operação mais letal do RJ
Megaoperação no Rio contra o crime organizado resultou em pelo menos 121 mortos e 113 presos
A Operação Contenção, deflagrada nos complexos do Alemão e da Penha, na zona norte do Rio de Janeiro, na última terça-feira (28/10), resultou em pelo menos 121 mortos e 113 presos, tornando-se a ação policial mais letal da história da cidade.
Especialistas em segurança pública ouvidos pelo Metrópoles avaliaram a operação, destacando o uso da força e da inteligência no combate ao crime organizado no Brasil
Planejamento e execução
Com a mobilização de cerca de 2,5 mil policiais civis e militares, o objetivo da operação no Rio foi conter a expansão territorial do Comando Vermelho (CV) e cumprir cerca de 100 mandados de prisão contra criminosos de alta periculosidade.
Um dos questionamentos levantados é em relação ao planejamento e à execução da megaoperação. O governador do RJ, Cláudio Castro (PL), chegou a afirmar, na última quarta-feira (29/10), que a megaoperação realizada no Rio de Janeiro foi um “sucesso” e que, “quanto a vítimas, só houve policiais”.
O delegado da Polícia Federal e consultor em compliance e segurança pública, Jorge Pontes, explica que ainda é cedo para ter um vislumbre “mais claro e detalhado das conquistas” da operação.
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Para Jorge, uma operação que resulte em mais de 100 suspeitos mortos não harmoniza com o Estado Democrático de Direito e arranha a imagem do Brasil. Por outro lado, a própria existência de facções criminosas que portam fuzis abertamente e dominam territórios no Rio há décadas também configura um atentado constante ao Estado Democrático.
O delegado também reforça que, no que diz respeito à morte dos quatro policiais, a operação foi um ponto negativo. “Um dos agentes da lei que tombou morto tinha apenas 40 dias de polícia. Desaconselho o engajamento de policiais novatos em operações como essa, em que as chances de enfrentamento são altas.”
No entanto, ele elogia a estratégia denominada “Muro do Bope”, que desviou a rota dos criminosos para as matas da região, evitando áreas populosas e poupando inocentes do risco de serem atingidos por balas perdidas.
O especialista Roberto Uchôa, membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, pontua que é difícil avaliar a operação quando não se tem clareza nos objetivos.
“Se o objetivo da operação foi prender as lideranças, enfraquecer a organização criminosa e retirar o seu domínio sobre a comunidade, foi um fracasso”.
Uchôa destaca que, caso o intuito tenha sido apreender grandes quantidades de fuzis e matar traficantes, os objetivos foram alcançados.
Força x Inteligência: o desafio do combate ao crime organizado
Pontes explica que, para reverter a situação da segurança pública não só no Rio de Janeiro, mas em todas as demais regiões do Brasil, é preciso ir além das operações policiais, com um projeto amplo que envolva trabalho de inteligência e integração de forças e instituições.
“Só a esfera federal tem condições de titularizar essa iniciativa, que deve ser coordenada pelos Ministérios da Justiça e da Segurança Pública, tendo a Polícia Federal como peça instrumental de articulação”, explica.
Ele complementa que as forças estaduais serão protagonistas, mas que a coordenação deve ser federal.
Outra observação do especialista é que a operação não alcançou o braço financeiro da investigação, que é fundamental para atingir de fato o coração da estrutura criminosa — e mais relevante até mesmo que a apreensão das drogas.
“Os cento e poucos soldados do crime que foram mortos por resistirem à ação da polícia serão certamente substituídos em poucos dias, assim como a droga apreendida será substituída por outra remessa, que certamente já foi até encomendada.”
Essa coordenação não ocorreu na megaoperação coordenada por Castro, segundo Roberto Uchôa, que citou a Operação Carbono Oculto, ocorrida em agosto deste ano e que visava desarticular o esquema financeiro do Primeiro Comando da Capital (PCC) no setor de combustíveis. Ela teve como resultado R$ 7,6 bilhões em impostos sonegados descobertos e R$ 3,2 bilhões em bens bloqueados.
“Foi um exemplo de como a coordenação pode ser bem-sucedida e funcionar para atacar uma organização criminosa de forma efetiva, não paliativa e pirotécnica, como foi essa do Rio de Janeiro”, critica.
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