Golpe, contragolpe e retrogolpe – II (por Pedro Costa)

Moral da História: se for dar um golpe, veja bem quem são os onze ministros e trate com respeito o Supremo

Oct 21, 2025 - 09:30
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Golpe, contragolpe e retrogolpe – II (por Pedro Costa)

Eu estava falando dos acontecimentos de novembro de 1955, quando o Presidente da Câmara no exercício da Presidência da República e o próprio Presidente foram depostos pelo Ministro da Guerra, sob pretexto — posterior aos fatos — de garantir a posse de Juscelino Kubitschek e João Goulart, supostamente ameaçada.

O golpe de Estado, normalmente reprovado, ficou como um momento heroico da história:

— Ah! Mas Lott, o exército, o Congresso, o Supremo agiram para defender a democracia!

Curioso atentado que faria o Presidente Café Filho: contra o legalismo do exército — é o que os milicos sempre dizem —, apoiado nos cruzadores Barroso e Tamandaré, que estavam na situação dos tanques que a Marinha levou para a Esplanada para “fazer um convite”, puff! puff!, isto é, mal navegavam, ocuparia as ruas com os teco-teco do Brigadeiro Eduardo Gomes e impediria a posse que Lott não desejava — o general insistia na impropriedade da eleição de João Goulart. Mas Lott salvou a pátria, é um Pai da Pátria, tanto que acabou mandando o coronel Mamede para um posto de intendente — processar, que é bom, punir com prisão por tentar dar um golpe de Estado, nada!

É preciso conceder que o golpe e o estado de sítio acabaram com a posse de JK e Jango. Auto-escolhido Ministro da Guerra do Presidente Juscelino Kubistchek, o General Lott foi de uma sobriedade exemplar: as restrições à liberdade de imprensa eram relativas e dirigida contra “abusadores” e atingiam sobretudo rádio e televisão, ressalvados os sessenta processos contra jornalistas. Ele só se impôs como candidato a presidente porque o Presidente não facilitou, o escolhendo espontaneamente. Derrotado pelas seguidas demonstrações de incapacidade política, pela sucessão de gafes antológicas, ficou desgostoso com a cristianização Jan-Jan — o PSD era coerente, agiu como em 1950 — e vestiu o pijama.

Bem, ele abriu caminho para o “retorno à ordem constitucional vigente” de 1º de abril de 1964. Como em 1955, os mocinhos de 1964 invocaram o contragolpe contra o golpe que estaria sendo organizado pelo Presidente da República.

Por circunstâncias do destino éramos vizinhos de Leonel Brizola num prédio de quatro apartamentos no Leblon. Dois deles eram ocupados pelos dois cunhados do Presidente, Brizola e Moura Valle. O primeiro não-parente — a campanha era formal, cunhado não é parente — era muito procurado por grandes amigos de meu Pai, como os deputados Neiva Moreira, Ferro Costa — nosso primo — e Seixas Dória, que muitas vezes passavam depois lá em casa e contavam as novidades, que incluíam, realmente, uma fantasia de golpe de Estado, o terceiro em gestação, talvez.

Penso que o importante é saber se golpe de Estado pode ser um remédio legítimo contra um mau, mesmo um péssimo governo, ou para remediar dificuldades com o Congresso, como queriam Jânio Quadros e, provavelmente, Jango.

Do 1º de abril ao 15 de março de 1985 houve várias ordens constitucionais vigentes: a do AI-1, a do AI-2, a da Constituição de 1967, a do AI-5, a da Constituição-Emenda de 1969, a desta depois de revogados os atos institucionais. Tudo resumindo, a ditadura militar, com seus vários graus de despotismo. A partir do 5 de outubro de 1988 tivemos nossa terceira Constituição feita por um processo democrático. A de 1934 durou 3 anos, mas foi feita com a limitação de fato de ter que eleger Presidente da República o caudilho que comandara a revolução de 1930 e que a derrubaria. A de 1946 durou 18 anos, interrompida por dois golpes de Estado, o de 1955 e o de 1961 e derrubada por um terceiro. A atual, bem, é a atual, que há pouco sofreu sua primeira tentativa de golpe de Estado e resistiu!

Resistiu, para surpresa geral, e por ter o Supremo Tribunal Federal tido uma maioria diferente daquela de 1955. É possível comparar o retrogolpe tentado pelo genocida Jair Bolsonaro com o golpe/contragolpe.

A origem de ambos se estendia no tempo. No caso de 1955 havia resquícios da ditadura Vargas, da operação de sua queda, sob pressão externa, pelos seus médicos de plantão, Goes Monteiro e Dutra, da articulação com Prestes, até à véspera em suas masmorras e, depois, do empreendimento do mentor para suceder a Dutra. Ao longo desse período os ressentimentos militares se acumulavam. Os dois ministros da Guerra de 1954 tinham a certeza de terem sido injustiçados, muitas vezes passados para trás: Zenóbio, ao ser chamado por Getúlio, vinha de uma punição — entre os militares brasileiros, punição é um cargo menos vistoso, já que o Código Militar prevê, para cada pena, dez desculpas para que não seja aplicada; Lott tinha rancores desde a revolução de 1930, batera cabeça com Mascarenhas de Moraes na Itália, onde passara apenas poucos dias em vez de se tornar um herói etc. Se o primeiro exprimia suas queixas, o segundo calava, mas ambos tinham a certeza de que ninguém estava a sua altura. O exército e a marinha viviam de conspiração desde 1884, a aeronáutica desde sempre — antes de ser criada, em 1941 —, sem falar dos antecedentes pontuais. Odylio Denys, o motor do golpe, fora tenente em 1922, depois se ligara a Góes Monteiro e fizera uma carreira rápida; usara Lott, mas rompeu com ele em 1961.

No caso de 2023, os resquícios vinham da ditadura militar. Os que se tornaram oficiais superiores a partir de 1985 se ressentiam de ter perdido o comando do País. O mais grave era o comportamento dos que se consideram a elite do Exército, Eduardo Villas Boas, Heleno, Braga Netto, Luiz Eduardo Ramos etc. Vários destes haviam servido no Haiti, em geral com comportamento escandaloso, tido postos nas sinecuras de adidos militares nas grandes capitais, e se sentiam alijados do governo executivo. Viviam achando mazelas dos civis e sonhando em intervir. Eles consideram gloriosa e decisiva nossa participação de cerca de 0,02% dos combatentes na 2ª Guerra Mundial. Villas Boas tornou-se o seu líder, inclusive pelo martírio da doença.

Se o golpe de 1955 durou pouco se deve à resistência de Café Filho, que obrigou à construção da tese do golpe preventivo, e, portanto, de que seu objeto era a posse de JK e Jango. Que não era isso provam os manifestos e as manifestações por um candidato único e o veto de Lott a Jango. Vestiram-se de ouro, como na espada glosada por Manuel Bandeira: “É ouro sinistro, / Ouro Mareado: / Mancha o Ministro, / Mancha o soldado”. Lott se afastou depois da campanha presidencial, mas Denys e sua turma deram o golpe de 1961 — vamos combinar que todos concordam que fazer uma mudança constitucional com a espada no pescoço não estava, nem está, nas regras constitucionais — e, insatisfeitos, o de 1964.

No caso recente, os fracassados generais começaram com o veto à candidatura de Lula, que o Supremo Tribunal Federal acatou. Construíram então o mito de que Bolsonaro — que não é um deles, mas considerado por eles um degenerado — era gente, mais, um “mito”. Em 1988 Bolsonaro escapara — provavelmente por um acordo, como mostrou Luís Maklouf — da expulsão no Tribunal Superior Militar, apesar do Ministro civil José Luiz Clerot profetizar, em seu voto oral, que as consequências da absolvição seriam trágicas para o País.

Eles achavam que iam governar o Brasil. Mal-informados, como de praxe, não desconfiavam que seu homem de palha era o típico vigarista dos pequenos expedientes de apropriação patrimonial. O cretino distribuiu o governo entre asseclas mais ou menos notórios, como Sérgio Moro, Onyx Lorenzoni ou Paulo Guedes. Bolsonaro oscilou entre seguir a trilha do bolso ou a do golpe para implantação de novo regime militar. Esta indecisão foi nossa sorte: desconfiados, alguns chefes militares consideraram o golpe imaturo e refugaram diante da barreira; no retrogolpe de 8 de janeiro o “cavalão” despencou do cavalo.

Desta vez o Supremo, que se via acossado, reagiu com a aplicação da Constituição e do Código Penal. Se tudo correr normalmente, o genocida pegará mais uns anos de cadeia para somar-se aos 27 a que já foi condenado. Os de obstrução de Justiça e, sobretudo, os do genocídio, embora as más redações de nossas leis o livrem deste mais grave dos crimes (pelo número de mortos, está na categoria do monstruoso “Bibi” Netanyahu).

Moral da História: se for dar um golpe, veja bem quem são os onze ministros e trate com respeito o Supremo. Que pode aceitar ou — graças a Deus — recusar uma “nova ordem constitucional vigente”.

 

Pedro Costa. Arquiteto e escritor.

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