Golpe do falso advogado: decisão judicial reforça a responsabilidade dos bancos e a proteção do consumidor
O avanço das fraudes digitais no Brasil trouxe à tona um golpe que tem vitimado inúmeros jurisdicionados: o chamado “golpe do falso advogado”. Criminosos, valendo-se de aplicativos de mensagens e da confiança natural depositada em profissionais da advocacia, simulam contatos com clientes em fase de levantamento de valores judiciais, induzindo-os a fornecer dados bancários ou realizar […]


O avanço das fraudes digitais no Brasil trouxe à tona um golpe que tem vitimado inúmeros jurisdicionados: o chamado “golpe do falso advogado”. Criminosos, valendo-se de aplicativos de mensagens e da confiança natural depositada em profissionais da advocacia, simulam contatos com clientes em fase de levantamento de valores judiciais, induzindo-os a fornecer dados bancários ou realizar transferências via Pix.
Esse cenário não apenas expõe a fragilidade dos mecanismos de segurança das instituições financeiras, mas também coloca em risco a própria credibilidade do sistema de Justiça. Diante disso, a atuação judicial em sede de tutela de urgência tem se mostrado fundamental para conter os efeitos imediatos do ilícito e resguardar o consumidor.
Em processo recentemente ajuizado perante o 2º Juizado Especial Cível da Regional de Alcântara – TJRJ, o autor foi induzido a erro por criminosos que se passaram por advogados de um escritório fictício. A abordagem ocorreu por meio de mensagens via WhatsApp, acompanhadas de logotipos e linguagem formal, conferindo aparência de legitimidade.
Como consequência dessa fraude:
- Foram realizadas transferências via Pix (R$ 4.149,00 e R$ 751,00) de sua conta no Banco Itaú para contas vinculadas à 99Pay;
- Houve ainda movimentações intermediárias no Banco Santander, incluindo um parcelamento fraudulento de R$ 1.399,32;
- Apesar da imediata comunicação às instituições financeiras, os atendimentos mostraram-se desorganizados, ineficazes e, em alguns momentos, ofensivos — chegando o consumidor a ser acusado injustamente de fraude.
Além do abalo patrimonial, restaram configurados danos de ordem moral, diante da humilhação e da insegurança financeira decorrentes da omissão dos bancos.
O caso foi estruturado sob a ótica do Código de Defesa do Consumidor (CDC), em especial:
- Art. 14 do CDC: responsabilidade objetiva do fornecedor pelos defeitos na prestação de serviços;
- Art. 42 do CDC: vedação a cobranças indevidas e possibilidade de repetição do indébito;
- Art. 6º, VI, do CDC: direito básico à reparação integral.
Do ponto de vista regulatório, invocaram-se ainda as disposições da Resolução BCB nº 1/2020 e da Resolução BCB nº 403/2024, que impõem às instituições participantes do arranjo Pix a adoção de mecanismos de monitoramento em tempo real, bloqueio cautelar em casos suspeitos e preservação de registros. Tais medidas, se efetivamente aplicadas, teriam evitado a consumação do ilícito.
A jurisprudência também corrobora esse entendimento. A Súmula 479 do STJ estabelece que as instituições financeiras respondem objetivamente por fraudes decorrentes de fortuito interno. O TJRJ, em diversos precedentes, reconhece que a ausência de mecanismos eficazes de segurança e a omissão no atendimento caracterizam falha grave na prestação do serviço, ensejando indenização por danos materiais e morais.
Na análise do pedido liminar, o magistrado constatou a presença dos requisitos previstos no art. 300 do CPC: probabilidade do direito e perigo de dano. Diante disso, deferiu parcialmente a tutela de urgência para determinar que os bancos se abstivessem de incluir o nome do consumidor em cadastros restritivos de crédito relacionados aos débitos fraudulentos, sob pena de multa
“Diante da verossimilhança existente nas alegações, da probabilidade do direito e do perigo de dano com risco ao resultado útil do processo, restam preenchidos os requisitos para concessão da medida, nos termos do artigo 300 do CPC/2015. Assim sendo, defiro parcialmente a tutela de urgência para determinar que os réus abstenham-se de lançar o nome e o CPF da parte autora no rol de cadastros restritivos de crédito, no que tange aos débitos discutidos nestes autos, no prazo de 10 dias, sob pena de multa única de R$ 5.000,00 em caso de descumprimento.”
Tal decisão, embora não tenha alcançado integralmente os pedidos formulados, assegurou medida de grande relevância prática: preservou a reputação de crédito do autor e evitou que o golpe repercutisse em restrições indevidas junto ao mercado.
A decisão comentada traz reflexões importantes para a advocacia:
- Atuação imediata: a propositura de ação com pedido de tutela de urgência, acompanhada de provas documentais, é essencial para estancar os prejuízos.
- Responsabilidade solidária: os bancos e instituições de pagamento devem responder de forma conjunta, uma vez que todos integram a cadeia de fornecimento de serviços.
- Caráter pedagógico da indenização: a fixação de danos morais em patamar adequado deve cumprir função não apenas compensatória, mas também inibitória.
- Fundamentação robusta: é imprescindível articular o CDC, as resoluções do Banco Central e precedentes judiciais, demonstrando a falha do serviço e o dever de reparação.
O golpe do falso advogado revela a vulnerabilidade do consumidor diante de fraudes digitais cada vez mais sofisticadas. A decisão proferida pelo TJRJ reafirma a necessidade de responsabilização das instituições financeiras, que devem adotar mecanismos de prevenção e reparação integral dos danos causados.
Trata-se de precedente que deve ser utilizado por advogados em todo o país como modelo de atuação em casos semelhantes, reforçando que a proteção do consumidor não é apenas um direito individual, mas também uma garantia de confiança na própria ordem jurídica.
O golpe do falso advogado é apenas mais um exemplo de como a criminalidade digital desafia a segurança das relações de consumo. Contudo, o caso analisado demonstra que o Poder Judiciário tem se posicionado de forma firme, reconhecendo a responsabilidade das instituições financeiras diante de falhas no dever de segurança e de atendimento ao consumidor.
A decisão proferida pelo 2º Juizado Especial Cível da Regional de Alcântara – TJRJ, ao deferir parcialmente a tutela de urgência para impedir a negativação indevida do nome da vítima, reforça não apenas a proteção do crédito, mas também a tutela da dignidade e da honra do consumidor.
Cabe à advocacia utilizar precedentes como este para sustentar ações semelhantes, sempre invocando o CDC, a jurisprudência consolidada do STJ e as resoluções do Banco Central. Mais do que reparar o prejuízo individual, decisões como essa contribuem para fortalecer a confiança social no sistema bancário e no próprio Poder Judiciário.
Assim, a mensagem que fica é clara: fraudes digitais não eximem os bancos de sua responsabilidade objetiva, devendo estes zelar pela segurança e adotar medidas eficazes de prevenção, bloqueio e reparação integral dos danos causados aos consumidores.
Com informações Jus Brasil
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