Governo britânico diz que criança brasileira de 11 anos deve retornar ao Brasil, mesmo com os pais vivendo legalmente no Reino Unido
Família brasileira no Reino Unido enfrenta impasse após o departamento de imigração negar residência permanente aos filhos por critérios que desconsideram a guarda compartilhada. Hugo Barbosa e os filhos, Luca e Guilherme. A família contesta a decisão do governo britânico que negou a residência permanente a Guilherme e ainda aguarda a resposta sobre o pedido de Luca Arquivo Pessoal Após cinco anos vivendo no Reino Unido com vistos regulares, o pesquisador brasileiro Hugo Barbosa teve o pedido de residência permanente para um de seus filhos, de 11 anos, negado pelo governo britânico — e ainda aguarda resposta, que tende a ser a mesma, para o outro, de apenas 8 anos. O motivo da recusa foi o fato de que ele e a ex-esposa não possuem a guarda exclusiva das crianças, e apesar de ela ter um visto de trabalho, não possui status de residência permanente. Com isso, os pais podem permanecer legalmente no país, mas os filhos ficam sem o direito à residência e enfrentam o risco de ter que deixar o Reino Unido, apesar de toda a vida construída ali. Em 2019, Hugo deixou a cidade de Rochester, em Nova York, nos Estados Unidos, pela pequena cidade de Exeter, no sudoeste da Inglaterra, para assumir um cargo como professor sênior de Ciência da Computação na universidade local. Sua então esposa, Ana, e os dois filhos do casal, Guilherme e Luca, o acompanharam com o plano de construir uma nova vida no Reino Unido. Hugo chegou ao país com um Tier 2 General Visa — um tipo de visto voltado a profissionais qualificados com oferta de trabalho — que mais tarde foi renomeado para Skilled Worker Visa (visto para trabalhador qualificado). Ana e os filhos foram como seus dependentes, sob as mesmas condições de imigração. Dois anos depois, em 2021, Hugo e Ana Luiza Cabral Gouveia decidiram se separar. No ano seguinte, ela, que trabalha como enfermeira no NHS (sistema de saúde pública do Reino Unido), solicitou seu próprio visto de trabalho (na mesma categoria), para não precisar mais estar no país como dependente dele. O pedido teve sucesso e o divórcio do casal foi oficialmente concluído em 2024. Guilherme e Luca, hoje com 11 e 8 anos, passaram a ter duas casas, próximas uma da outra, com os pais dividindo a guarda compartilhada. "Achávamos que essa seria a principal dificuldade para eles — se adaptar a essa nova realidade. Mas, na verdade, a maior complicação veio do ponto de vista legal, da imigração." A vida da família se adaptou após o divórcio, mas o problema surgiu quando Hugo entrou com o pedido de residência permanente, após completar cinco anos no país — um direito previsto nas regras do visto de trabalhador qualificado. Ele incluiu os filhos no pedido, já que também estavam no Reino Unido pelo mesmo período, mas o departamento de vistos e imigração do Home Office (o equivalente ao ministério do Interior local) recusou. O motivo foi que, para as crianças terem direito à residência, ambos os pais precisariam já ter residência permanente. A negativa do Home Office à permanência das crianças no Reino Unido "Como a Ana só aplicou o visto dela em 2022, ela só terá direito à residência em 2027. Como não estamos mais casados e nenhum de nós tem guarda exclusiva dos meninos, eles ficaram sem direito à residência permanente." "O critério de "responsabilidade exclusiva" é o que complica tudo. Eu nunca imaginei que isso seria um problema, justamente porque temos uma relação muito boa, amigável, e dividimos todas as responsabilidades igualmente. Mas, segundo o Home Office, se um de nós tivesse guarda exclusiva — ou seja, se o outro não tivesse nenhum contato com as crianças —, aí sim elas poderiam ter residência permanente pelo meu visto", completa. Depois da negativa em dezembro, Hugo escreveu uma carta ao Home Office pedindo uma reconsideração com base no critério de serious or compelling reasons (razões sérias ou convincentes) para que as crianças fiquem. Ele defendeu que voltar ao Brasil não seria viável: as crianças nunca moraram lá, não leem nem escrevem em português, e toda a vida deles está no Reino Unido. "Anexei uma carta da escola dizendo que estão indo muito bem. O Guilherme, por exemplo, vai começar agora em setembro numa grammar school [escola pública seletiva do Reino Unido que admite alunos com base em desempenho acadêmico em exames], para a qual ele passou num processo competitivo." A apelação foi submetida incluindo os dois meninos, e em 4 de junho, a família recebeu uma resposta — mas apenas sobre Guilherme. "Cada um dos filhos possui um número de processo diferente, e ainda estamos esperando uma resposta sobre o Luca", diz Hugo. A comunicação deixa claro que, como ele não tem direito à residência, ele deveria retornar ao Brasil com a família — incluindo Ana e Luca — ou poderia continuar os estudos em inglês por lá. "Dadas as suas circunstâncias, estou convencido de que você poderia retornar ao Brasil e continuar sua educação no Brasil, onde teria a opção de frequentar uma escola de língua inglesa. Você, seu irmã


Família brasileira no Reino Unido enfrenta impasse após o departamento de imigração negar residência permanente aos filhos por critérios que desconsideram a guarda compartilhada. Hugo Barbosa e os filhos, Luca e Guilherme. A família contesta a decisão do governo britânico que negou a residência permanente a Guilherme e ainda aguarda a resposta sobre o pedido de Luca Arquivo Pessoal Após cinco anos vivendo no Reino Unido com vistos regulares, o pesquisador brasileiro Hugo Barbosa teve o pedido de residência permanente para um de seus filhos, de 11 anos, negado pelo governo britânico — e ainda aguarda resposta, que tende a ser a mesma, para o outro, de apenas 8 anos. O motivo da recusa foi o fato de que ele e a ex-esposa não possuem a guarda exclusiva das crianças, e apesar de ela ter um visto de trabalho, não possui status de residência permanente. Com isso, os pais podem permanecer legalmente no país, mas os filhos ficam sem o direito à residência e enfrentam o risco de ter que deixar o Reino Unido, apesar de toda a vida construída ali. Em 2019, Hugo deixou a cidade de Rochester, em Nova York, nos Estados Unidos, pela pequena cidade de Exeter, no sudoeste da Inglaterra, para assumir um cargo como professor sênior de Ciência da Computação na universidade local. Sua então esposa, Ana, e os dois filhos do casal, Guilherme e Luca, o acompanharam com o plano de construir uma nova vida no Reino Unido. Hugo chegou ao país com um Tier 2 General Visa — um tipo de visto voltado a profissionais qualificados com oferta de trabalho — que mais tarde foi renomeado para Skilled Worker Visa (visto para trabalhador qualificado). Ana e os filhos foram como seus dependentes, sob as mesmas condições de imigração. Dois anos depois, em 2021, Hugo e Ana Luiza Cabral Gouveia decidiram se separar. No ano seguinte, ela, que trabalha como enfermeira no NHS (sistema de saúde pública do Reino Unido), solicitou seu próprio visto de trabalho (na mesma categoria), para não precisar mais estar no país como dependente dele. O pedido teve sucesso e o divórcio do casal foi oficialmente concluído em 2024. Guilherme e Luca, hoje com 11 e 8 anos, passaram a ter duas casas, próximas uma da outra, com os pais dividindo a guarda compartilhada. "Achávamos que essa seria a principal dificuldade para eles — se adaptar a essa nova realidade. Mas, na verdade, a maior complicação veio do ponto de vista legal, da imigração." A vida da família se adaptou após o divórcio, mas o problema surgiu quando Hugo entrou com o pedido de residência permanente, após completar cinco anos no país — um direito previsto nas regras do visto de trabalhador qualificado. Ele incluiu os filhos no pedido, já que também estavam no Reino Unido pelo mesmo período, mas o departamento de vistos e imigração do Home Office (o equivalente ao ministério do Interior local) recusou. O motivo foi que, para as crianças terem direito à residência, ambos os pais precisariam já ter residência permanente. A negativa do Home Office à permanência das crianças no Reino Unido "Como a Ana só aplicou o visto dela em 2022, ela só terá direito à residência em 2027. Como não estamos mais casados e nenhum de nós tem guarda exclusiva dos meninos, eles ficaram sem direito à residência permanente." "O critério de "responsabilidade exclusiva" é o que complica tudo. Eu nunca imaginei que isso seria um problema, justamente porque temos uma relação muito boa, amigável, e dividimos todas as responsabilidades igualmente. Mas, segundo o Home Office, se um de nós tivesse guarda exclusiva — ou seja, se o outro não tivesse nenhum contato com as crianças —, aí sim elas poderiam ter residência permanente pelo meu visto", completa. Depois da negativa em dezembro, Hugo escreveu uma carta ao Home Office pedindo uma reconsideração com base no critério de serious or compelling reasons (razões sérias ou convincentes) para que as crianças fiquem. Ele defendeu que voltar ao Brasil não seria viável: as crianças nunca moraram lá, não leem nem escrevem em português, e toda a vida deles está no Reino Unido. "Anexei uma carta da escola dizendo que estão indo muito bem. O Guilherme, por exemplo, vai começar agora em setembro numa grammar school [escola pública seletiva do Reino Unido que admite alunos com base em desempenho acadêmico em exames], para a qual ele passou num processo competitivo." A apelação foi submetida incluindo os dois meninos, e em 4 de junho, a família recebeu uma resposta — mas apenas sobre Guilherme. "Cada um dos filhos possui um número de processo diferente, e ainda estamos esperando uma resposta sobre o Luca", diz Hugo. A comunicação deixa claro que, como ele não tem direito à residência, ele deveria retornar ao Brasil com a família — incluindo Ana e Luca — ou poderia continuar os estudos em inglês por lá. "Dadas as suas circunstâncias, estou convencido de que você poderia retornar ao Brasil e continuar sua educação no Brasil, onde teria a opção de frequentar uma escola de língua inglesa. Você, seu irmão e seus pais também poderiam retornar ao Brasil e continuar a vida familiar lá. Seu pai confirma que sua mãe não tem status de residente no Reino Unido, portanto sua mãe poderia escolher retornar ao Brasil e continuar a dividir a responsabilidade parental por você no Brasil", diz a comunicação do Home Office a Guilherme, feita por e-mail. "Portanto, estou convencido de que não há razões sérias e convincentes para lhe conceder residência permanente como filho dependente de um Trabalhador Qualificado.]", conclui o comunicado. A resposta do órgão esclarece que Guilherme não precisa deixar o Reino Unido "durante o período em que possam solicitar a revisão administrativa; enquanto qualquer solicitação de revisão administrativa estiver sendo analisada; caso façam um pedido de permanência no país sob outra base; ou se ainda tiverem permissão válida para entrar ou permanecer no Reino Unido." Por outro lado, o documento alerta para as consequências de permanecer no território britânico fora dessas circunstâncias, o que inclui: "você pode ser detido; pode ser processado, multado e preso; pode ser removido e banido de retornar ao Reino Unido." Outros alertas incluem a possibilidade de conta bancária congelada, carteira de motorista e direitos de trabalho revogados — o que não se aplicaria à criança. Caso a revisão seja negada, o documento indica que Guilherme poderá ser removido do país após um período de sete dias corridos a partir do fim do prazo para a apelação, sem necessidade de novo aviso prévio. Essa remoção pode ocorrer em até três meses da data da notificação, e, segundo o comunicado, a criança poderia ser enviada ao Brasil ou, caso o trajeto assim exija, passar por pontos de trânsito em países como Portugal, França, Holanda e México. Enquanto isso, a família segue aguardando a decisão sobre o pedido de residência de Luca. Além da revisão administrativa, Hugo busca apoio da universidade, do deputado que representa sua região no Parlamento britânico e da embaixada brasileira, enquanto avalia, com advogados, os próximos passos caso a revisão não seja favorável. Uma das esperanças da família é que o processo administrativo se prolongue até janeiro de 2026, quando os filhos completarão sete anos de residência no Reino Unido e, pelas regras atuais, poderiam solicitar o direito à residência permanente por tempo de estadia contínua. A BBC News Brasil solicitou um posicionamento oficial do Home Office por meio de e-mail e telefone. Até o momento da publicação, o órgão não havia respondido. Caso haja manifestação, o conteúdo será incluído e a reportagem atualizada. Ana tem a guarda dos filhos compartilhada com o ex-marido Arquivo Pessoal 'Tratados de forma injusta' Na avaliação do advogado Edward Meade, que trabalha com temas de imigração na firma Sterling Law em Londres, o Home Office tem certa margem para exercer discricionariedade e decidir em favor dos requerentes em casos complexos — mas, segundo ele, isso não foi feito no caso da família de Hugo. Para Meade, que não tem ligação com o caso, a família seguiu corretamente as regras, mas o sistema de imigração britânico tem deficiências importantes, especialmente na rota baseada em pontos, que não leva em consideração situações como a de relacionamentos que chegaram ao fim. Ele explica que, como dependente, Ana teria direito à residência permanente após cinco anos no país. Mas com o fim do casamento, foi obrigada a solicitar um visto próprio, o que reiniciou esse prazo. Isso afetou diretamente os filhos do casal. "Acho que foram tratados de forma injusta pelo Home Office, o que mostra a falta de compaixão e consciência sobre circunstâncias reais de vida. O Hugo fez bem em tentar usar as disposições para casos excepcionais, mas o Home Office parece ter entendido que ambos os pais ainda estão envolvidos e, por isso, não viram razões sérias e convincentes para o caso." "A carta de recusa também mostra cópias e colagens, partes duplicadas, o que indica o pouco cuidado na análise. As regras são muito rígidas e não levam em conta casos como esse. O fato de a Anna ser enfermeira sênior do NHS não teve qualquer peso, mesmo com a importância dos migrantes para o NHS." Meade diz que não fica surpreso, porque já viu muitas recusas semelhantes. "Esse caminho específico é bem inflexível: se o relacionamento termina, a pessoa tem que buscar outro visto, como o de trabalhador qualificado, ou mudar para outra rota. É uma grande falha das regras de imigração e da forma como o Home Office analisa os casos." Meade esclarece que as crianças ainda podem permanecer no país como dependentes, mesmo sem o direito imediato à residência permanente, mantendo um status legal semelhante ao que tinham até agora. Isso significa que, apesar da recusa da residência definitiva, eles podem continuar vivendo legalmente no Reino Unido enquanto outras opções forem avaliadas. Hugo, por sua vez, está buscando assegurar essa possibilidade, mas enfrenta opiniões divergentes entre os advogados que consultou. Meade também destaca que Hugo fez o pedido de residência permanente em 9 de fevereiro de 2024, mas a decisão só saiu em 4 de junho, mais de 16 meses depois. "Normalmente, esses casos deveriam ser analisados em até seis meses. Isso é alarmante." Ele explica que o Home Office anunciou, em maio, um white paper (documento oficial do governo que apresenta propostas de políticas públicas para consulta e debate antes de serem implementadas) que pode alterar as regras do visto de trabalhador qualificado, aumentando o tempo necessário para solicitar residência permanente de cinco para dez anos. Isso significaria que Ana só poderia pedir residência em 2032, e os filhos teriam que manter o visto por uma década para tentar a residência pela via do tempo de permanência no país. "Espero que essa regra não afete quem já está no Reino Unido, apenas novos solicitantes." Sobre o que pode acontecer caso haja nova negativa para as crianças, Meade avalia que elas ainda têm opções. "Hugo entrou com pedido de revisão administrativa, que pode levar até 12 meses para ser analisado. Durante esse período, as crianças podem permanecer legalmente no Reino Unido, mas não podem viajar — se saírem, o pedido é automaticamente cancelado. " "Além disso, Guilherme poderia mudar para outro visto de dependente, nesse caso sob o visto da mãe. Existe também uma rota específica para crianças que vivem no Reino Unido há sete anos, mas, para filhos nascidos fora do país, como Guilherme, o Home Office exige que a criança tenha ao menos 12 meses de visto sob as regras de vida privada. Como ele não possui esse visto, essa rota não é uma opção atualmente. " O estado emocional da família Hugo relata que, desde a decisão do Home Office, o impacto emocional na família tem sido profundo. "O primeiro desafio foi entender o que estava acontecendo. As regras de imigração são muito complexas", conta. Ele buscou orientação de um consultor de imigração e descobriu que a norma que agora afeta sua família foi criada para evitar que parentes cheguem ao Reino Unido de forma sucessiva e estratégica — como ouviu na explicação: "primeiro o pai, depois o filho, a mãe, a avó... e por aí vai". Desde então, o desgaste tem sido constante. "Desde o dia 4, não consigo dormir direito. Todas as noites sonho com situações de perseguição, com os meninos sendo levados embora, chegando no aeroporto... É constante. O estresse já está afetando meu trabalho. É difícil focar em dar aulas, fazer pesquisa, preparar palestras. Continuo tentando, mas é muito desgastante." Ana Luiza Cabral Gouveia, mãe de Guilherme e Luca, descreve o momento como 'um misto de emoções'. "Primeiro veio o choque. A gente não espera por isso, nunca imaginei essa possibilidade. De repente, aconteceu. Fiquei sem chão, passei uma semana de cama, sem conseguir fazer nada. Depois, vieram o medo, a angústia e a sensação de vulnerabilidade. É muito difícil se sentir sem controle, vendo o futuro dos seus filhos sendo decidido por outras pessoas." Hugo conta que praticamente todo o seu tempo livre está voltado para lidar com a situação: avaliando possibilidades, tentando se antecipar aos possíveis cenários, tentando proteger os filhos do estresse causado pela situação e conversando com advogados. Ele recebeu opiniões divergentes dos especialistas. "Dois disseram que, para as crianças terem direito à residência ou visto de dependente, os pais precisariam ter o mesmo visto ou um ter responsabilidade exclusiva. Um terceiro sugeriu que talvez fosse possível tentar um visto temporário por meio da mãe." Por isso, na apelação apresentada, a família pediu ao governo que, ao menos, seja concedida a oportunidade de solicitar esse outro tipo de visto, em vez de impor a saída das crianças do país. Ana diz que agora 'só resta esperar'. "A gente já fez tudo o que estava ao nosso alcance. A última possibilidade que me sugeriram foi uma petição, que eu criei no site do próprio governo. Agora estamos aguardando a avaliação para ver se será aprovada. Se for, eu vou compartilhar para colher assinaturas, relatando o caso e pedindo apoio." "Nossa maior esperança é que, diante de toda a repercussão, da pressão social e também do apoio do prefeito, do governador, do ministro, do cônsul, do embaixador... que tudo isso leve o Home Office a rever a decisão e, quem sabe, revertê-la em favor dos nossos filhos."
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