Governo de SP recua e defende contratos denunciados por ele mesmo
Após denunciar irregularidades em contratos da gestão anterior, pasta da Agricultura teve mudanças em chefias e arquivou apuração interna

Menos de um ano depois de ter enviado ao Ministério Público de São Paulo (MPSP) um relatório enumerando suspeitas de irregularidades em reajustes feitos em contratos firmados pela gestão anterior para obras em estradas rurais, a Secretaria Estadual da Agricultura mudou de posicionamento e passou a defender a lisura dos aditivos.
Em ofício enviado ao Procurador-Geral de Justiça em junho de 2024, ao qual o Metrópoles teve acesso, o secretário de Agricultura e Abastecimento, Guilherme Piai (foto em destaque), afirma que uma apuração interna da pasta atestou que não houve descumprimento de normas legais na medida, determinando o arquivamento da investigação do caso no âmbito da secretaria.
Em julho de 2023, no entanto, um relatório enviado ao MPSP pelo então secretário Antônio Junqueira, antecessor de Piai, apontava que R$ 49,2 milhões foram pagos em apenas quatro dias de dezembro de 2022, nos últimos dias da gestão do ex-governador Rodrigo Garcia, na revisão de 368 obras do programa “Rotas Rurais – Melhor Caminho”. O comunicado deu origem a um inquérito civil.
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Além disso, o governo de Tarcísio de Freitas (Republicanos) alegava que cerca de 30% das obras que tiveram valores revisados em dezembro de 2022 estavam inacabadas em 2023 e que o reequilíbrio dos contratos contrariou pareceres emitidos pela consultoria jurídica da própria secretaria e pela Subprocuradoria-Geral do Estado.
Os aditivos teriam comprometido 25% do orçamento do programa previsto para o ano seguinte, segundo a própria pasta à época.
O relatório contra a gestão anterior para apurar irregularidades gerou insatisfação em grupos políticos ligados ao MDB, partido que comandava a Secretaria da Agricultura na gestão Garcia. Em meio à ingerência sobre a pasta, Junqueira pediu demissão do cargo ainda no primeiro ano de mandato de Tarcísio.
Em 28 de agosto de 2023, Tarcísio decidiu demitir o secretário-executivo da Agricultura, Marcos Renato Böttcher, servidor egresso do Tribunal de Contas do Estado (TCESP) e um dos responsáveis pela descoberta do suposto esquema de fraude em contratos de obras em estradas rurais.
O atual secretário, Guilherme Piai, entrou na secretaria justamente no lugar de Bötcher, como secretário-executivo. Em outubro de 2023, assumiu a titularidade da pasta no lugar de Junqueira. Piai é considerado da “cota pessoal” de Tarcísio e foi um dos coordenadores de sua campanha nas eleições de 2022.
Investigação e bens bloqueados
Um dos servidores investigados pelo Ministério Público no caso é Ricardo Lorenzini, atual subsecretário de Gestão Corporativa da Secretaria da Agricultura. Servidor de carreira da pasta, Lorenzini era chefe de gabinete à época da assinatura dos aditamentos dos contratos suspeitos e responsável por liberar os pagamentos dos reajustes.
Após ter sido afastado de funções de chefia, em outubro de 2023, ele foi conduzido ao cargo de Coordenador de Administração e, neste ano, promovido a subsecretário.
O Metrópoles mostrou nesta semana que, no final de agosto, o Tribunal de Justiça paulista (TJSP) bloqueou os bens de Lorenzini, no âmbito da ação que investiga um dos contratos envolvidos na denúncia feita pelo próprio governo paulista em 2023.
A ação do MPSP contra o servidor é relacionada ao reequilíbrio econômico-financeiro de um contrato no valor inicial de R$ 3,1 milhões, para recuperação de estradas rurais da cidade de Nova Independência, no interior paulista. Com o reajuste, houve aumento de R$ 200 mil, em um pagamento que a Promotoria do Patrimônio considerou indevido.
O MPSP pede que os valores supostamente pagos de forma indevida sejam ressarcidos pelo servidor e também pela construtora detentora do contrato da obra. Além da reparação, solicita também a aplicação de uma multa prevista na Lei Anticorrupção. A soma do valor pedido de ressarcimento e da multa é estimado em R$ 532 mil.
O valor exigido da parte de Lorenzini é de R$ 266,1 mil, uma vez que, segundo a legislação, a multa se aplica apenas a pessoas jurídicas.
Os promotores consideraram que o aditivo foi concedido sem demonstração adequada de desequilíbrio contratual. Entre os fatores apontados, está a concessão do aumento com base em justificativa de eventos externos que aconteceram antes da assinatura do contrato, como a pandemia de Covid-19 e a modificação da política de preços de combustíveis.
Além disso, o MPSP afirma que houve ausência de análise individualizada dos pedidos das empresas, com 150 contratos obtendo reajuste em bloco, no final de 2022.
No caso do contrato específico, o MPSP quer que Lorenzini seja responsabilizado por “sua condição de ordenador da despesa e subscritor do termo aditivo, aliada à ausência de análise técnica adequada dos pressupostos para o reequilíbrio”. Segundo o órgão, isso “configura violação ao dever de cuidado inerente ao cargo público, ensejando responsabilidade pelos danos causados ao erário”.
Após ter um pedido inicial de bloqueio de bens negado em primeira instância pela 15ª Vara da Fazenda Pública da Capital, o MPSP entrou com um agravo de instrumento para rever a decisão, alegando que a medida seria fundamental para assegurar a devida reposição dos valores ao erário, caso haja condenação. A construtora responsável pela obra também teve bens bloqueados.
A defesa de Ricardo Lorenzini, apresentada pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), alega que a decisão do bloqueio de bens foi “além do pedido”, uma vez que o MPSP teria solicitado a medida exclusivamente contra a empresa corréu. Sustenta ainda que a ação é frágil e baseada em documento apócrifo, e que apurações internas da Secretaria da Agricultura, além de arquivamentos em casos conexos pelo Ministério Público, atestariam a ausência de irregularidade nos reequilíbrios contratuais.
A PGE passou a defender Lorenzini na ação apenas no final de setembro deste ano. Antes, a defesa era feita por um advogado particular do subsecretário.
O governo paulista afirma que não há “decisão transitada em julgado contra o servidor citado, e que sua defesa já apresentou os recursos cabíveis”. A gestão também afirmou não ter constatado irregularidades no processo.
O que diz a Secretaria da Agricultura
Por meio de nota, a Secretaria da Agricultura afirmou que o relatório encaminhado ao MPSP em 2023 “apontava supostas irregularidades nos aditivos contratuais firmados”, mas que, “após análise, o Ministério Público arquivou 15 inquéritos, reconhecendo a inexistência de irregularidades”.
“A atual gestão, observando o devido processo legal e o rito previsto na legislação, também instaurou um processo administrativo formal para investigar as denúncias. A apuração também conclui pela regularidade dos atos e a completa observância aos pareceres da Procuradoria-Geral do Estado (PGE)”, afirma a pasta.
Ainda segundo a secretaria, “o programa Melhor Caminho está entre as ações mais bem avaliadas pelos produtores rurais do Estado” e conta com 34 obras atualmente, com 218 km de melhorias e R$ 33 milhões em investimentos. “Todas aprovadas pelo Tribunal de Contas do Estado”.
Em relação à defesa do subsecretário, a pasta afirma que a atuação da PGE “possui amparo constitucional e é conduzida em estrita conformidade com o disposto na Lei Complementar nº 1.270/2015, com as alterações introduzidas pela Lei Complementar nº 1.400/2024”.
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