INSS: seguros eram “contratados” em menos de 3 minutos. Ouça áudios
Empresa conveniada ao INSS foi condenada por induzir idosos a contratarem seguros com descontos diretos em aposentadorias

Uma empresa conveniada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) induziu aposentados e pensionistas a contratarem seguros com débitos diretos em seus benefícios. Em um período de três anos, a empresa de crédito Sudacred registrou pouco mais de 60 reclamações por descontos não reconhecidos. Os registros constam no portal Consumidor.gov.br, gerido pelo Ministério da Justiça.
Escândalo revelado pelo Metrópoles
O escândalo do INSS foi revelado pelo Metrópoles em uma série de reportagens publicadas a partir de dezembro de 2023. Três meses depois, o portal mostrou que a arrecadação das entidades com descontos de mensalidade de aposentados havia disparado, chegando a R$ 2 bilhões em um ano, enquanto as associações respondiam a milhares de processos por fraude nas filiações de segurados.
As reportagens do Metrópoles levaram à abertura de inquérito pela Polícia Federal (PF) e abasteceram as apurações da Controladoria-Geral da União (CGU). Ao todo, 38 matérias do portal foram listadas pela PF na representação que deu origem à Operação Sem Desconto, deflagrada no dia 23/4 e que culminou nas demissões do presidente do INSS e do ministro da Previdência, Carlos Lupi.
Ligações de telemarketing, às quais a reportagem teve acesso mostram como a empresa operava. Com amplo acesso a dados como CPF, endereço e número da conta corrente, atendentes informavam que havia sido liberado um “capital de seguro” em nome do beneficiário — na maioria dos casos, idosos. Os funcionários, no entanto, não deixavam claro que tratava-se da contratação de um novo serviço.
Os diálogos demonstram a confusão. Em uma das conversas, o idoso afirma que “nem sabia que tinha [contratado] esse seguro”, quando, na verdade, a contratação estava ocorrendo naquele momento. Há casos em que a “autorização” ocorria em menos de 3 minutos.
Ouça:
A partir das autorizações, eram feitos descontos mensais, entre R$ 50 e R$ 80, diretamente na conta corrente do beneficiário — prática semelhante à adotada por associações e sindicatos investigados pela Polícia Federal (PF) no escândalo conhecido como Farra do INSS.
Condenações
Em processos levantados pela reportagem, a Justiça reconheceu que a empresa agiu de má-fé e a condenou a indenizar aposentados que sofreram descontos.
Em dezembro de 2023, por exemplo, a juíza Denise Dias de Castro Bins Schwanck, da Justiça Federal do Rio Grande do Sul, condenou a Sudacred e a Caixa Econômica Federal — com a qual a empresa mantinha convênio — a pagar R$ 3.300 a um aposentado que teve débitos em seu benefício. Ela considerou que “não lhe foi perguntado, de forma clara e expressa, se o autor gostaria de contratar seguro de vida e que haveria desconto mensal a esse título na conta corrente de sua titularidade”.
“Destaco que, para a validade da contratação, é preciso que a vontade esteja clara, o que não foi demonstrada nos autos, mormente porque é possível constatar, até pelas reticências do autor, de que ele não estava entendendo de que a tal ativação se tratava de um contrato de seguro”, diz a decisão.
Apesar do histórico de reclamações e condenações na Justiça, a Sudacred firmou acordo de cooperação técnica com o INSS para realizar descontos em benefícios vinculados ao instituto. O extrato do termo foi publicado no Diário Oficial da União (DOU) em 22 de abril deste ano, um dia antes da operação da Polícia Federal (PF) que investiga fraudes no sistema da Previdência. O documento é assinado pelo então diretor de benefícios, Vanderlei Barbosa dos Santos. Ele foi afastado do cargo por determinação da Justiça.
Outros casos pelo Brasil
Um idoso que foi aposentado por invalidez acidentária decidiu acionar a Justiça de São Paulo ao perceber que existiam descontos de um seguro de vida no extrato detalhado de sua conta bancária. Na ocasião, o homem notou três débitos no valor de R$ 14,90 realizados pela Agibank. Ele relatou que nunca contratou aqueles serviços.
Na ação judicial, a vítima contou que os funcionários do banco não souberam lhe informar sobre o motivo do desconto. Ele entrou em contato com a empresa através do “call centers”, porém, após tentar resolver a situação, foi tratado com descaso.
O primeiro desconto teria ocorrido em novembro de 2020 e a ação foi ajuizada em fevereiro de 2021. Apesar do valor mensal de R$ 14,90 ser considerado baixo, foi manifestado que o desconto afetava diretamente as economias do idoso que recebia, naquele momento, apenas R$ 687,85 de aposentadoria.
A informação foi levada em consideração na decisão da 34ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo: “Está claro que ao promover descontos sem lastro contratual e sem a manifestação de vontade do autor em sua conta bancária, o banco-réu adotou conduta flagrantemente abusiva e cometeu ato ilícito, falhando gravemente na prestação dos serviços”.
Na sentença, publicada em 30 de abril de 2024, os desembargadores decidiram que a vítima teria direito a receber pagamento de dano moral no valor de R$ 10 mil, com correção monetária e juros.
A Agibank possui outros processos judiciais com o mesmo teor por todo o país. Em junho do ano passado, a 3ª Vara Cível da Comarca de Juazeiro do Norte, no Ceará, decidiu condenar o grupo a indenizar um idoso por descontos a título de seguro de vida em contrato considerado nulo.
O homem é analfabeto e contou que foi surpreendido com descontos na conta pessoal, sob a rubrica de seguro de vida da Agibank, em parcelas no valor de R$ 20. Ele descobriu que os valores se referiam a contratação junto à instituição, porém garantiu que não solicitou tal ato. Segundo ele, o banco autorizou os descontos indevidamente pois as partes não realizaram qualquer acordo.
A empresa, por sua vez, indicou nos autos o que seria um contrato firmado com o idoso. Estava presente no documento apenas a impressão digital do aposentado. No entanto, a fim de evitar que pessoas analfabetas possam ser prejudicadas em contratos, o código civil prevê que é necessário também a assinatura de testemunhas em casos como esse.
“Assim sendo, o contrato deve ser considerado nulo, visto que a presença de impressão digital não é condição de validade do negócio jurídico. Por conseguinte, sendo reconhecida a nulidade da contratação, são indevidos os descontos realizados em conta corrente da parte autora”, apontou o juiz.
O magistrado ainda ressaltou que a conduta da empresa “revela um sistema falho” ao não apresentar a formalização válida de contratação. Por fim, a sentença determinou a restituição do dobro dos valores descontados e o pagamento de R$ 5 mil por indenização por danos morais.
Outra empresa com diversas reclamações registradas na Secretaria Nacional do Consumidor, do Ministério da Justiça, é a Facta Financeira. Em abril, uma pessoa mencionou que celebrou contrato de empréstimo junto com a instituição, mas não foi informado sobre a admissão de um seguro que, sem consentimento, passou a ser descontado em sua conta bancária.
Muitos usuários contam que ao verificarem o extrato do INSS perceberam que a Facta Financeira enviava empréstimos para as contas dos beneficiários das aposentadorias. Com isso, começaram a ser descontados de créditos consignados que não eram reconhecidos pelos titulares.
Em janeiro deste ano, desembargadores do Tribunal de Justiça do Mato Grosso (TJMT) rejeitaram recurso da Facta Financeira que pedia a anulação de outra sentença sobre um contrato nulo de empréstimo.
A sentença declarou a nulidade dos contratos de empréstimo, condenou as rés à devolução em dobro dos valores descontados indevidamente do benefício previdenciário de uma mulher e ao pagamento de indenização por danos morais fixada em R$ 3 mil.
Manifestações
O Metrópoles procurou as empresas mencionadas na matéria, por telefone e por e-mail, para solicitar um posicionamento, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. Espaço segue aberto.
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