“Não queria estar na pele deles”, diz Americanas sobre antiga cúpula

Em entrevista ao Metrópoles, CEO da varejista e membros da diretoria dizem que serão "implacáveis" com supostos responsáveis pela fraude

May 19, 2025 - 02:30
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“Não queria estar na pele deles”, diz Americanas sobre antiga cúpula

A Americanas registrou um prejuízo de R$ 496 milhões no primeiro trimestre de 2025, ante um lucro de R$ 453 milhões anotado no mesmo período do ano passado. Ou seja, tomou um considerável tombo no início deste ano. Em entrevista ao Metrópoles, um grupo de quatro executivos da empresa afirma que parte expressiva desse resultado está associada ao fato de que, neste ano, a Páscoa ficou de fora do período abrangido pelo balanço, o que não havia ocorrido em 2024.

Os gestores também afirmaram que a varejista será “implacável” com os ex-executivos da companhia, aos quais a atual direção, a Polícia Federal e o Ministério Público Federal atribuem a fraude, estimada em R$ 25,2 bilhões, a maior da história corporativa do país. Da conversa, participaram o presidente da empresa, Leonardo Coelho (foto em destaque), além dos responsáveis pelas áreas financeira, Camille Faria, operacional, Fernando Soares, e jurídica, Fábio Medeiros. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Vocês atribuem boa parte do prejuízo no primeiro trimestre de 2025 à ausência da Páscoa nesse período. Ela é tão importante para a empresa?

Leonardo Pereira (CEO): A Páscoa, para nós, é praticamente um Natal. No primeiro trimestre do ano passado, a Páscoa representou 32% das nossas vendas nas lojas. Se compararmos os quatro primeiros meses dos dois anos, ou seja, incluindo a Páscoa, houve um crescimento de 14,2% em vendas em 2025.

Camille Faria (diretora financeira e de relações com investidores): No primeiro trimestre de 2024, tivemos outros fatores que afetaram o balanço, como o efeito positivo de R$ 1,150 bilhão da implementação do plano de recuperação judicial. Esse valor não tinha nada a ver com a operação da companhia. Então, o número de R$ 453 milhões de lucro em 2024 é bem mais negativo do que o do primeiro trimestre deste ano, em bases comparáveis. Acho que a gente precisa comparar laranja com laranja.

O balanço do primeiro trimestre mostra uma queda expressiva de vendas (conceito de GMV ou “volume bruto de mercadorias”) no digital (-60%), na comparação com o ano passado. O que aconteceu? 

Leonardo Pereira (CEO): Eu vou voltar um passo atrás para relembrar o que era o digital da Americanas. Era uma venda de produtos multicomparáveis, ou seja, que você olhava na Americanas, como um celular, mas podia comprar em qualquer concorrente. Enfim, produtos multicomparáveis, em geral eletroeletrônicos, portanto, de margem mais baixa, vendidos em 10, 12 vezes sem juros, com frete grátis e a Americanas ainda dava cashback (programa de recompensas que devolve ao consumidor uma porcentagem do valor gasto nas compras). Isso não era proposta de valor para negócio nenhum. Isso era pagar para o cliente comprar de você.

Era prejuízo na veia?

Leonardo Pereira (CEO): Um prejuízo bilionário no negócio digital. No físico, nós tínhamos uma proposta de valor. Há uma loja, com sortimento amplo, que fala diretamente com aquilo que o consumidor espera da gente. E está próximo dele. Temos cerca de 1.600 lojas em mais de 800 municípios do país. Algo que resolve a vida da pessoa. Então, viemos num processo de transformação desse digital. Isso com erros e com acertos. No digital, acho que cometi mais erros do que acertos.

Como é o digital hoje?

Leonardo Pereira (CEO): Agora, achamos um lugar para ele jogar. E esse lugar é cada vez menos um marketplace (e-commerce que inclui vários vendedores) e cada vez mais um alavancador da resolução da vida dos nossos clientes no ambiente digital. O que eu quero dizer com essa frase bonitinha? Quero dizer que o nosso digital vai atender a uma demanda urgente, com prazo de entrega relativamente mais baixo do que qualquer outro marketplace, porque você usa o estoque da loja, que está perto do cliente final.

A ideia é usar a capilaridade da rede?

Leonardo Pereira (CEO): Obviamente, isso não é válido para 200 milhões de brasileiros, mas para aqueles 130 ou 140 milhões que vivem perto de uma das nossas lojas. Mas esse é um jogo que a gente consegue jogar. Portanto, é de se esperar que a venda do digital caia bastante nas comparações com trimestres anteriores. No entanto, também é de se esperar, e isso já aconteceu, que o resultado do digital seja melhor do que o de trimestres anteriores.

O marketplace vai acabar?

Leonardo Pereira (CEO): Vamos ter também, mas num desenho complementar à prateleira da loja. Vou dar um exemplo: nós não vendemos móveis nas nossas lojas. Mas essa é uma das três principais categorias de venda da Americanas. Então, nós teremos essa categoria lá dentro.

O senhor disse que cometeu erros no digital. Quais?

Leonardo Pereira (CEO): Vários. Mas o principal foi ter demorado para fazer esse novo desenho da proposta de valor. Claro, é fácil fazer essa crítica hoje. Mas, num primeiro momento, quando chegamos aqui, em 2023, a primeira decisão foi tentar manter a nossa relevância nesse ambiente digital. Demorei para descobrir que a gente não tinha uma proposta de valor.

Fernando Soares (vice-presidente de operações): Acho que vale destacar também o que está acontecendo no físico (vendas em lojas). Ele tem uma resposta muito rápida a um investimento muito baixo em sortimento e atendimento. Então, nós vemos um aumento de frequência no canal físico, que já vem acontecendo desde 2024. Tínhamos, no ano passado, identificado 10% dos nossos clientes. Esse número saltou para 50%. Agora, eu sei quem é esse cliente, o que compra. Aí, decido o quanto ele circula no digital, no físico ou nos dois.

A Americanas protagonizou a maior fraude corporativa do Brasil. Isso quer dizer que vocês assumiram a maior encrenca da história corporativa do país. Qual foi o momento mais difícil dessa trajetória?

Leonardo Pereira (CEO): Agora, estamos vivendo um momento cada vez menos de reestruturação e cada vez mais de construção de um varejo normal, que volta 100% das atenções para as nossas operações. Mas, se tivesse de pontuar um momento difícil, seria aquele começo de 2023, quando não conhecíamos a operação, o negócio, não sabíamos o que tinha acontecido. Não sabíamos nem se era mesmo uma fraude. Então, a incerteza que veio desse desconhecimento talvez tenha sido a parte mais difícil.

O senhor falou que a empresa passou a gerir a operação. Antes não fazia isso? 

Leonardo Pereira (CEO): Para encobrir uma fraude desse tamanho de todo mundo, do mercado, do conselho de administração, das melhores cabeças da Faria Lima, de auditorias, de bancos, precisava de muito esforço. A atenção da outra administração estava muito mais voltada para manter a fraude despercebida, não identificada, do que fazer tudo aquilo que temos feito para a recuperar a operação. Dá para afirmar com 100% de certeza que essa era uma companhia que estava largada do ponto de vista operacional. Ela não estava com a atenção da alta direção na operação do jeito que um varejo tem de ter.

Agora, vocês buscam na Justiça o ressarcimento pelas fraudes. Vão buscá-lo a todo custo?

Leonardo Pereira (CEO): Nós temos de fazer isso por obrigação fiduciária. A Camille e eu estamos com o CPF na companhia. Então, temos a obrigação perante todos os acionistas, perante os stakeholders, de seguir nessa jornada.

Fábio Medeiros (vice-presidente jurídico): Nós vamos ser implacáveis em ir contra aqueles que cometeram uma fraude e prejudicaram a companhia, os acionistas, os fornecedores. Por essa razão, movemos uma recente ação de responsabilidade contra os ex-administradores da empresa e emitiu um comunicado ao mercado.

Como vocês serão implacáveis?

Fábio Medeiros (vice-presidente jurídico): Vamos atrás de todos os recursos. Vamos envidar todos os esforços para que essa turma tenha uma vida muito difícil do ponto de vista civil, para além de todo o apoio que demos às investigações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, que não tenho dúvida que também serão implacáveis, utilizando uma fraude dessa magnitude como um caso exemplar. Eu não queria estar na pele deles, do Miguel (Gutierrez, ex-CEO), da Anna (Saicali, ex-diretora), do Marcio (Cruz, ex-diretor), dessa turma.

O que ainda é preciso resolver de importante na Americanas?

Leonardo Pereira (CEO): Remontar uma corporação do tamanho da Americanas do ponto de vista operacional, tendo passado tanto tempo sendo mal gerida, é complexo. E não é só ajustar aquilo que se enxerga na loja ou no site. É preciso ajustar processos, sistemas, pessoas, cultura. Em 2024, remontamos todo o time de direção da companhia. Então, é um processo que leva tempo. Se tivesse uma solução rápida, provavelmente os fraudadores já teriam feito isso. Do ponto de vista de investigação, tem uma parte que não tem a ver conosco, que é o Ministério Público Federal, a Polícia Federal, que seguem seus ritos. Do nosso lado, o que tínhamos de propor de ação com base naquilo que a gente teve demanda, fizemos. Agora, vamos continuar. Não é simplesmente propor a arbitragem. É ganhar essa arbitragem.

E você concorda com essa questão de ser implacável com os ex-administradores?

Leonardo Pereira (CEO): Não tenho dúvida. É aquilo que falei: a Camille e eu estamos com o CPF aqui. Se não formos implacáveis, com certeza vai ter repercussão de acionista que foi machucado.  A nossa obrigação aqui, como CEO e CFO da companhia, é ir atrás. Claro que temos de resolver toda a parte operacional, que ocupa a maior parte do nosso trabalho hoje, mas é também ser extremamente diligente e ir atrás daqueles que machucaram essa companhia e, por consequência, machucaram os acionistas.

Quando vocês estimam que terão nas mãos uma empresa “normal” para gerir, sem todos os problemas provocados pela fraude?

Leonardo Pereira (CEO): Acho que a aprovação da recuperação judicial, em 2024, foi o marco de normalidade que precisávamos para começar a focar no dia a dia da operação. Nós obviamente temos um atraso em relação à competição, que é natural por causa desse período que ficamos olhando mais para a fraude do que para a operação, mas não diferente de nada do que tenha sido feito por outros concorrentes da Americanas. Então, nós já consideramos que a Americanas é uma empresa normal hoje, que tem os desafios de uma companhia normal, como melhoria de performance e operação, que talvez esteja um pouquinho atrasada do que seus concorrentes.

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