Jovem que perdeu mandíbula por câncer fará cirurgia de reconstrução
Após quase duas décadas convivendo com as sequelas de um câncer raro, Fábio Zava se prepara para uma reconstrução total do rosto

Quando tinha 6 anos de idade, Fabio Zava teve um câncer que deformou sua face. Agora, aos 27, o ilustrador e arquiteto deve finalmente conseguir fazer uma cirurgia de reconstrução facial que pode mudar sua vida.
Fabio teve um câncer raro, o rabdomiossarcoma, que atinge principalmente crianças. O câncer afeta a musculatura e responde por menos de 2% dos tumores da área mandibular. Sua progressão é rápida e, sem tratamento, há um alto risco de metástase. Além disso, tumores deste tipo costumam ser particularmente dolorosos.
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Foi a dor, na verdade, o primeiro sinal de alerta para o ilustrador. Fabio sentia desconforto constante na mandíbula e achava que era dor de dente. A família procurou atendimento odontológico em Votorantim, interior de São Paulo, onde moram. O sangramento intenso durante o procedimento fez a dentista parar e recomendar uma consulta médica, sabendo que o problema provavelmente não era nos dentes.
O pediatra conversou brevemente com a família e decidiu que era melhor fazer uma biópsia da lesão. “Lembro que o médico apareceu com uma seringa bem grande e furou. A dor foi tão grande, é inexplicável. Cheguei a vomitar de dor”, lembra.
Pouco depois, veio o diagnóstico: rabdomiossarcoma agressivo. Para conter o avanço da doença, os médicos retiraram mais da metade da mandíbula inferior do menino. O tratamento seguiu com sessões de quimioterapia e radioterapia.
“Não lembro de terem me contato do câncer, mas o processo todo foi coisa de um ano. Naquela época, eu não entendia o que estava acontecendo, sabia que tinha que passar por tudo aquilo pois meus pais me levavam e eu não tinha muita escolha”, relembra. Fábio foi declarado curado, mas passou a conviver com as consequências permanentes da cirurgia.
Se adaptando à vida após o câncer
Em pouco tempo, Fabio entendeu que a cirurgia não havia mudado apenas a aparência do rosto, mas vários aspectos da vida, incluindo alimentação e a fala.
“Na parte da alimentação, no início foi bem difícil, tive que me acostumar a comer apenas de um lado da boca, mas não me lembro de passar por fisioterapia, então aprendi tudo praticamente sozinho”, diz ele.
Conforme o ilustrador envelhecia, a aparência de seu rosto começou a preocupá-lo cada vez mais. Ele tinha vergonha do rosto e passou a usar capuz com frequência. Fábio também deixou o cabelo crescer para tentar esconder o rosto.
“Na escola, os outros alunos que não me conheciam, me olhavam e riam algumas vezes, até que comecei a não fazer contato visual com ninguém. Caminhava olhando para o chão para evitar ver as pessoas me olhando ou rindo de mim. Não saia de casa, quando saia era só para ir para a escola. Sinto que não tive vida social”, lamenta.
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Deformação no rosto de Fabio o fez ter problemas de autoestima boa parte da vida. Ele também tem dificuldade para falar e para comerAcerco pessoal2 de 4
Nova cirurgia será liderada pelo médico Magno Liberato, um cirurgião bucomaxilofacial de São PauloAcerco pessoal3 de 4
Fabio antes do câncerAcerco pessoal4 de 4
Cirurgias para reconstrução foram feitas quando ele tinha 12 e 13 anos, mas sem sucessoAcerco pessoal
A cirurgia de reconstrução
A primeira tentativa de reconstrução da mandíbula veio aos 12 anos. Os médicos usaram um osso da perna para formar um novo maxilar. O enxerto, porém, não resistiu. Houve infecção e perda do material transplantado.
No ano seguinte, o procedimento foi repetido com sucesso. Porém, o crescimento natural do corpo desconfigurou o resultado. A mandíbula reconstruída passou a entortar com o tempo e as dificuldades funcionais aumentaram.
Ao mesmo tempo, os problemas com a aparência cresciam: “Nas poucas vezes que saí, conheci pessoas que vinham até mim e riam da minha aparência na minha cara”, relembra ele.
O processo de aceitação dele foi lento e apoiado pela família e pelos médicos. O desejo de melhorar a fala e a alimentação, porém, continuava.
Mais que estética: saúde e qualidade de vida
Comer, por exemplo, exige paciência e esforço. Sem a mandíbula, a mastigação é lenta e a deglutição é difícil. “Tenho muita dificuldade pra me alimentar. Levo muito tempo mastigando e muitas vezes me engasgo, então tenho vergonha. Quando eu trabalhava presencialmente, levava meia hora só para ir e voltar da empresa para casa. Em meia hora, eu não consigo almoçar. Tinha que viver comendo sanduíches por que eles são mais fáceis de engolir e eu não demorava tanto”, conta.
Hoje em dia, Fabio trabalha em home office e atua também produzindo conteúdo para a internet. Com as dificuldades econômicas de uma família de classe média, era difícil conseguir pensar em arcar com o tratamento para uma nova cirurgia de reconstrução, que pode chegar custar mais de R$ 100 mil.
Por isso, em 2022, Fabio fez uma vaquinha para juntar o dinheiro. Embora não tenha conseguido o bastante para arcar com todos os custos, sua história comoveu o médico Magno Liberato, um cirurgião bucomaxilofacial de São Paulo.
Tecnologia na nova cirurgia
A cirurgia será complexa e envolve oito especialidades. O plano inclui a colocação de uma prótese de titânio feita por impressão 3D, enxerto ósseo para implantes dentários e placas personalizadas para alinhar o maxilar. Também haverá enxerto de pele e tecido muscular.
“Fazer a reconstrução de uma região acometida pelo câncer e ja operada diversas vezes tem o desafio de uma anatomia totalmente diferente. Tanto do ponto de vista dos tecidos ósseos, musculares e pele serem mais frágeis como a vascularização ser afetada. O desafio é executar na prática o que estamos planejando arduamente entre as equipes”, afirma Magno.
A nova estrutura permitirá a colocação de dentes, melhorando a mastigação. A fala e a respiração também devem evoluir. A expectativa da equipe é de ganhos importantes para a saúde física e emocional do paciente.
“Acredito que nunca terei uma aparência normal novamente. Mas acho que depois da cirurgia muita coisa vai melhorar. Minha alimentação, respiração, fala, acredito que tudo isso terá uma melhora enorme e, apesar de não ficar com uma aparência normal, meu rosto ficará melhor do que está atualmente. Não vejo a hora de poder tirar algumas fotos sem esconder meu lado esquerdo”, brinca.
Olhares e julgamentos silenciosos
Viver com marcas visíveis e invisíveis deixou lições. Fábio gostaria que as pessoas compreendessem os efeitos dos olhares de julgamento. Ele afirma que uma pergunta gentil machuca menos do que o silêncio desconfortável de quem observa com estranheza.
Hoje, Fabio encontra apoio nas redes sociais. Conta sua história em vídeos que alcançam milhares de pessoas. As mensagens de incentivo e solidariedade têm mudado a forma como encara sua trajetória.
“Às vezes, a gente só quer esquecer o problema por um tempo. Antes, meu rosto era uma lembrança de tudo de ruim que aconteceu no passado, mas as pessoas não sabem o poder que elas têm para melhorar a vida de alguém. Recebo tantas mensagens lindas de apoio que me fizeram aceitar mais a minha história e enxergar com outros olhos tudo isso que passei”, explica.
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