Justiça anula penas de 143 anos, solta agiotas e apavora região de SP

Vítimas relatam novas ameaças após decisão. Desembargador disse que grupo não formava Orcrim porque não tinha QG e divisão de tarefas

Dezembro 18, 2025 - 04:00
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Justiça anula penas de 143 anos, solta agiotas e apavora região de SP

Uma decisão da 8ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) anulou uma série de condenações e colocou em liberdade sete pessoas acusadas de integrar uma quadrilha de agiotagem no interior do estado. Desde que o grupo foi solto, no fim de novembro, vítimas das extorsões passaram a receber novas ameaças de morte — com a exigência de que as supostas dívidas sejam pagas com juros.

“Os dono (sic) já tá tudo na ativa novamente, passando pra confirmar que você tá no atraso. Vai ter atualização de juros”, diz mensagem de WhatsApp recebida por uma das vítimas das extorsões.

A anulação das condenações deve ser alvo de contestação do procurador-geral de Justiça, Paulo Sérgio de Oliveira, que vai peticionar, nos próximos dias, embargos de declaração apontando inconsistências na decisão. Justiça anula penas de 143 anos, solta agiotas e apavora região de SP - destaque galeria2 imagensPrint de ameaça recebida por vítima de agiotagemFechar modal.MetrópolesPrint de ameaça recebida por vítima de agiotagem1 de 2

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Print de ameaça recebida por vítima de agiotagemReprodução

De acordo com as investigações do Gaeco de Franca, o grupo atuou, pelo menos, desde 2020 na região, cobrando taxas abusivas por empréstimos e exigindo o pagamento por meio da violência. Evanderson Lopes Guimarães, apontado como líder, contava, segundo os promotores, com uma rede de empresas e comparsas para atrair “clientes” e exigir de forma violenta o pagamento pelos empréstimos.

Um policial civil foi acusado de acobertar os crimes e participar das extorsões. As prisões ocorreram em novembro de 2023, durante a operação Castelo de Areia.

A sentença de primeira instância estipulava penas que, juntas, somavam mais de 143 anos. Na decisão que anulou as condenações, o desembargador Marco Antônio Pinheiro Machado Cogan, relator do caso, ignorou provas e disse não haver elementos para afirmar que os acusados formavam uma organização criminosa.

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A argumentação do magistrado usou como base uma doutrina de 2007, anterior à Lei das Organizações Criminosas (12850/2013), que delimitou o tipo penal. De acordo com o magistrado, uma organização criminosa precisaria ter, por exemplo, “níveis de atuação entre seus integrantes”, “estrutura hierárquica piramidal” e a existência de um “QG específico”, o que, para ele, não está configurado.

As condenações mantidas foram relacionadas ao crime de usura, atribuído ao suposto líder do grupo e outros dois investigados. Com as penas reduzidas, no entanto, eles foram soltos.

Provas ignoradas

A maioria das provas ignoradas pela 8ª Câmara Criminal diz respeito ao envolvimento do policial civil com o grupo. Tais provas haviam sido usadas para comprovar a existência de corrupção ativa e passiva.

Ao anularem a condenação, os desembargadores não levaram em consideração, por exemplo, conversas de WhatsApp em que o agente público aparece fazendo ameaças a vítimas e trechos de interceptações telefônica em que outros investigados falam sobre dinheiro que seria pago por ele. As provas apresentadas pelos promotores do Gaeco foram citadas na sentença de primeiro grau.

“Já vou te dar o papo. Devolve tudo o dinheiro. Senão eu vou te quebrar no meio, seu filho da puta. Te avisei pra não atrasar essa desgraça”, diz o policial a uma vítima. “Vai se fuder, seu gordo maldito. Vou catar você e essa Karla, seu capeta dos infernos. Vou atrás da sua família também seu desgraçado”, afirma o agente público a outro alvo de extorsão. Justiça anula penas de 143 anos, solta agiotas e apavora região de SP - destaque galeria2 imagensPrint mostra ameaça feita por policial a vítimaFechar modal.MetrópolesPrint mostra ameaça feita por policial a vítima1 de 2

Print mostra ameaça feita por policial a vítimaReproduçãoPrint mostra ameaça feita por policial a vítima2 de 2

Print mostra ameaça feita por policial a vítimaReprodução

Em uma das interceptações telefônicas, dois investigados, entre eles Evanderson Lopes Guimarães, dizem que o policial pretendia “pôr um dinheiro”.

“O [nome] quer falar um negócio lá, quer pôr um dinheiro comigo, o cara falou assim, que é melhor eles se unirem, se estruturarem”, afirma Evanderson a Lucas Johnny Castro, em conversa interceptada. “Mas cê já tá ligado a tocada do cara, já te deu três paulada na sua coluna”, responde o interlocutor, em provável referência ao policial.

No relatório, o desembargador Marco Antônio Pinheiro Machado Cogan se limitou a comentar sobre a presença do nome do policial em planilhas encontradas com investigados acusados de extorsão, como se essa fosse a única prova da corrupção. Em uma delas, o nome do policial aparece ao lado de uma anotação com o valor de R$ 341 mil, referente a uma quantia que seria transferida por ELG.

Segundo o desembargador, isso não seria suficiente para comprovar o envolvimento do agente público com o grupo. “[A anotação] não enseja demonstração de prática de corrupção, na forma acima já abordada, não tendo sido demonstrada, concretamente, […] mas apenas sugerida”.

Ameaças

Vítimas das extorsões ouvidas pela reportagem afirmam que, mesmo quando os integrantes do grupo estavam presos, as ameaças não pararam. Eles usavam vários números de telefone para enviar mensagens, prometendo represálias violentas caso os valores não fossem pagos.

“Vira uma bola de neve, você pega de um para pagar o outro, e vai cada vez mais se afundando. Eu tive que mudar da minha casa, passar para outro endereço para poder me organizar. Mesmo assim continuam as cobranças ainda”, diz uma vítima ao Metrópoles.

“Quando eles estavam presos ainda, eram outras pessoas que cobravam. Aqueles lá que estavam presos cobravam bem pior que esses de agora. Quando eles estavam na rua as cobranças eram mais intensas. Como que solta uns caras desses, como tem cabimento um negócio desses. Não existe isso aí”, complementa.

Outra vítima que conversou com a reportagem diz viver há anos com medo de morrer. Sem dinheiro, ela passou a morar de favor na casa de um familiar.

“Eu não sei o que vai acontecer agora com esse povo solto. Eu tenho medo mesmo. Essa decisão não tem nada a ver. Hoje eu tô trabalhando para pagar os juros”, diz.

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