O ALIENÍGENA (PARTE XXXIX)
Clauder Arcanjo* O Pensador, de Auguste Rodin. “Encerre, antes que seja tarde.” Minha consciência pede (melhor, clama) que ponha um fim nesta noveleta sem brilho. Recolho-me ao silêncio da página em branco e tento, juro que me esforcei, para dar cabo disso com o perfume do êxito. Qual o quê?! Encerrar é tão […]


Clauder Arcanjo*
O Pensador, de Auguste Rodin.
“Encerre, antes que seja tarde.”
Minha consciência pede (melhor, clama) que ponha um fim nesta noveleta sem brilho.
Recolho-me ao silêncio da página em branco e tento, juro que me esforcei, para dar cabo disso com o perfume do êxito.
Qual o quê?! Encerrar é tão ou mais difícil do que dar início a um prosear.
Há trinta e oito capítulos que, entre idas e vindas pelo sertão de Licânia, entre urros, vagidos, miados e latidos, à sombra da presença de um suposto alienígena (o que daria um quê de ficção científica aos meus escritos), estivemos juntos.
“Homem, você nos enrolou mais do que fabulou!”
Meu julgamento é mais terrível (e cruel) do que o mais severo dos críticos de rodapé das gazetas dominicais.
“Gazetas?!… Você não está no século XIX não, seu Arcanjo! Aliás, que de anjo nunca teve nada!”
— Peraí, assim não dá! Exijo respeito. Se não a mim, pelo menos tenham consideração com os meus personagens. Estamos na presença de mais de uma dezena deles: Federardo, Brizolete Hernandes, João Américo, Robertão Social, Paulo Bodô…
“Você foi enfiando gente, como se enfia peido em cordão. Os coitados entravam na história e já sumiam na trama seguinte. Enfim, coisa de amador!”
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Revoltado, fecho esta página e resolvo reler o início de tudo. Sim, o que foi concebido há exatos nove meses. Esta novela foi um parto.
— Alguns juram, mas nunca creia em juras de licanienses, que a primeira aparição (ou seria o primeiro sinal?) se deu numa sexta-feira, 13. Outros alegam que tal data se perdeu na memória do medo, pavor que apaga tudo, inclusive a crença na força dos Céus.
— Vixe, Maria!
— Melhor, Federardo, é não colocar a mãe de Jesus no meio desta história.
— Concordo, Companheiro Acácio, continue.
Acácio ajustou os óculos, arregalou ainda mais os olhos, e se aproximou da cadeira em que o jovem Federardo a tudo ouvia, atento, mas já com uma certa dose de medo.
Então, o narrador não fui eu, foi o Companheiro Acácio. Atribuo, desta forma, todos os deslizes desta ficção a esse meu rabugento alter ego, que sempre se apropria das minhas narrativas, metendo-se e pondo tudo em…
— Não venha jogar a culpa do seu fracasso nas minhas costas, seu filho de uma mãe!
— Olha o respeito, Companheiro! Não se esqueça de que Seu Zequinha está por perto, e ele não vai admitir maus modos com o seu…
— Calma, meus filhos. Só o tempo pode julgar uma obra — adverte o bom Zequinha.
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Enquanto discutíamos, Goiaba e Nabuco resolveram reunir todos os presentes no alto do Serrote da Rola; para, de lá, observarem o pôr do sol licaniense.
— Tocamos para longe todos esses filhos de rapariga que estavam acabando com a nossa riqueza. Se eles continuassem, acabariam depressa com o nosso serrote, e nunca mais teríamos esta vista tão divina! — desabafou Baltazar do Bozó, poeticamente emocionado.
Goiaba e Nabuco ganiram e miaram seguidas vezes, tal qual um ângelus sertanejo.
De repente, diante de tanta beleza, todos aplaudiram o final do dia.
“E também o final desta história, por que não?”
— Melior finis horribilis quam horror infinitus! — arremata João Américo, o protofilósofo de Licânia.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.
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