O ALIENÍGENA (PARTE XXXV)
Clauder Clauder Arcanjp* Pintura “A Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix. Após o interrogatório dos sete detidos, o grupo se dividiu sobre os próximos passos. O agente da lei, Cabo Jacinto Gamão, queria partir para a ofensiva: desbaratar a gangue, prender a alta cúpula e enterrar de vez o mistério. O protofilósofo de […]


Clauder
Clauder Arcanjp*
Pintura “A Liberdade guiando o povo”, de Eugène Delacroix.
Após o interrogatório dos sete detidos, o grupo se dividiu sobre os próximos passos.
O agente da lei, Cabo Jacinto Gamão, queria partir para a ofensiva: desbaratar a gangue, prender a alta cúpula e enterrar de vez o mistério.
O protofilósofo de Licânia pedia prudência:
— Se formos afoitos, poderemos pôr a caçada no mato. Ou seria pôr o alienígena no empíreo? Verbum semper fons mysterii est.
Nabuco, recluso, fiava e cofiava os pelos do bigode. Silente e pensativo. Nem um ai lhe escapava. Melhor, nem um miau vazava por entre seus lábios.
Severíssimo Pancão, com os bagos em chama, mastigava suas dúvidas, enquanto sondava o aroma escrotal. Ao ser interpelado sobre seu ponto de vista, Pancão desabafou:
— Fui treinado para agir, não para decidir! Aguardo, então, sempre ordens superiores.
Companheiro Acácio resolveu convocar uma assembleia geral:
— Para o bem geral da província fica estabelecido, em caráter extraordinário, uma sessão dos filhos de Licânia, com o fito de decidir, promulgar…
E todos se retiraram, deixando Acácio a vomitar o seu palavrório oceânico, sem peias nem meias palavras, pois saibam-no infinito. Da última vez, cuidou logo de relembrar o João Américo, o improviso acaciano superou a marca olímpica de três dias e duas noites.
— Voltem aqui. Ainda não terminei! — protestou o Companheiro, acacianamente, ao perceber o esfumar do quórum.
— Aí dentro! — devolveu o Coronel Jorge.
— Coronel!… O senhor está de volta? — saudou Acácio.
— Não, seu filho de uma égua, estou saindo. Odeio perguntas burras!
Antes que a situação caminhasse para um jogo de ataque e contra-ataque, seu Zequinha interveio:
— Voltamos e, hoje, queremos uma Licânia para todos. Não poderemos ter paz se dermos anistia aos crimes cometidos. Os culpados devem ser julgados, sob a égide de um judiciário livre e independente, com amplo direito à defesa e ao necessário contraditório. E, caso sejam considerados culpados, submetidos ao rigor da lei.
Os aplausos correram pelas ruas de Licânia. Com pouco, outros licanienses retornaram. Em questão de minutos, a Praça do Poeta vibrava novamente, lotada de cidadãos e cidadãs empolgados com um novo amanhã.
Decidiu-se, por unanimidade, entregar o caso à justiça e aguardar, sem maiores prolegômenos.
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Noite alta, a cidade ganhou um brilho estranho. As casas reavivaram suas cores; as roupas dos presentes como se engomadas para novo festejo; os risos largos, os licanienses se viram invadidos por uma ventura assanhada.
— Aqueles que lutaram serão premiados. Estamos livres. Viva a liberdade!
Entre assovios, hurras e gaitadas, Nabuco e Goiaba dormitavam à sombra de um fícus-benjamim. Quando…
— Hah!… Hah!… Hah!…
Calma, medroso leitor, esta risada é minha.
João Américo, já com o espírito batizado pelo espírito da pinga, brandiu, jocoso:
— Quicumque clunes habet, timet.
*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.
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