O ALIENÍGENA (PARTE XXXVIII)

  Clauder Arcanjo0*   Quartzito Perla Santana   O exército a fugir dos marimbondos chega ao sopé do Serrote da Rola em carreira impressionante e em gritos tão desesperados que os escavadores se espantam, largando suas ferramentas, abandonando picaretas, pás e chibancas. Enfim, deixando tudo para trás. — Escavadores, seu Clauder Arcanjo?! Sim, deixarei tudo […]

Oct 5, 2025 - 01:30
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O ALIENÍGENA (PARTE XXXVIII)

 

Clauder Arcanjo0*

 

Quartzito Perla Santana

 

O exército a fugir dos marimbondos chega ao sopé do Serrote da Rola em carreira impressionante e em gritos tão desesperados que os escavadores se espantam, largando suas ferramentas, abandonando picaretas, pás e chibancas. Enfim, deixando tudo para trás.

— Escavadores, seu Clauder Arcanjo?!

Sim, deixarei tudo claro a partir de agora.

Não há, melhor: nunca houve nenhum alienígena em Licânia.

— Como assim, seu filho de uma ég…

— Calma, leitores e personagens, não vamos baixar o nível desta prosa. O romance tem seus segredos, e o escritor fica sempre sujeito aos humores da moda, às idiossincrasias do estilo, assim como às veleidades dos críticos literários de ocasião.

— Idiossin… Que diabo é isso, professor Galvino? — quer saber o Paulo Bodô.

— Peculiaridades, meu caro. Peculiaridades — cuida de clarear o mestre de Licânia.

— Deixemos de subterfúgios e vamos fechar logo este capítulo, seu escrevinhador de província. Continue. Tempus deficit et populus rugit — exalta-se o João Américo, em fúrias neolatinas.

Sim, são homens que escavam o sopé da serra, implodindo rochas enormes e extraindo pedras de um branco com rajas luminosas. Vários caminhões estão estacionados ao largo, dezenas já carregados com blocos enormes de quartzitos.

 

& & &

 

Alguns dos escavadores fugitivos são recapturados e passam pelo interrogatório do Cabo Jacinto Gamão. Não sem antes, sob um calor de quarenta graus, ficarem amarrados aos blocos que eles antes extraíram

Depois de ligadas as pontas dos depoimentos e recolhidas as provas documentais e de campo, o mistério cai por terra: podre como tudo que exala do esgoto da ambição humana.

As supostas aparições do tal alienígena nada mais eram do que estratégia para tornar Licânia uma cidade fantasma, pois os meliantes sabiam que, no solo daquele vale, em especial nos serrotes que cercam o município, há um tesouro: o quartzito especial. Nas grandes metrópoles, tais pedras seriam comercializadas, gerando altíssimo lucro para a cadeia de exploradores. E para que tudo se desse com rapidez, a baixo custo e sem a interferência dos órgãos reguladores, nada melhor do que uma cidade fantasma.

— Uns filhos de rapariga! Isso que eles são — desabafa Baltazar do Bozó.

— Calma, minha gente! Muita calma! — pondera Zequinha, sempre preocupado em conter os ânimos dos exaltados.

— E quem era o chefe dessa quadrilha? — indaga Robertão Social.

— Apertei os homens. E olha que sei fazer a coisa, com todo respeito, seu Zequinha. Mas nada descobri, parece que a coisa tem ligações com gente graúda, e fora daqui.

Goiaba e Nabuco, inquietos, gane e mia, como se querendo participar da conversa.

Lucas San propõe uma assembleia geral para decidirem os futuros passos.

Entraram na noite: uns, empolgados com o desvendamento do mistério, soltaram a língua em longos e confusos discursos; outros, refeitos do medo, posaram de justiceiros e propuseram avançar até o final; alguns, preocupados com o futuro da província, puseram panos quentes e submeteram uma proposta de anistia ampla aos envolvidos no crime.

Quando o sono já caía sobre todos, eis que surge um jovem alto, bem-apessoado e falante:

— Ainda nos traz outro personagem, seu Arcanjo? — inquieta-se Companheiro Acácio.

Nem foi preciso explicar, o sujeito foi saudado pela Das Dores:

— É o Anderson Sucupira, sempre conhecido pelas damas do Caneco Amassado pela sua voz maviosa de locutor de cabaré.

Anderson pigarreia, faz pose de orador e comunica aos presentes:

— Cheguei agora mesmo de Sobral, cidade vizinha, e garanto: o caso ainda não repercutiu na mídia. Mas, entendo, pode ganhar foros de fuxico grande se alguém der com a língua nos dentes, ou com os dedos nas redes sociais!

Nisso, outra confusão se instala entre os presentes: vários, requerendo seu minuto de fama; poucos, orando para a continuação do merecido, e valoroso, anonimato.

— Quem sabe isto pode até ser enredo para um novo filme de Hollywood! — empolga-se Severíssimo Pancão.

 

& & &

 

Quatro horas depois, a assembleia é suspensa. Adiada para o final de semana.

— Licânia calma ou famosa?

— Au! Au… Aaauu! Aaauuuuuuuh!… — intromete-se o cachorro Goiaba. Traduzindo: “Se Licânia for para a Globo, retiro-me ao canil dos aposentados”.

Severíssimo Pancão, entre uma verificada e outra no aroma que trescalava dos bagos, mete-se na capa do silêncio. Um silêncio de calar os sinos da Matriz de Licânia.

No outro capítulo, devo dar o ponto final nesta historieta. Enquanto isso ouço o protofilósofo João Américo a filosofar:

Claude antequam nimis serum sit.

 

*Clauder Arcanjo é escritor e editor, membro da Academia Norte-rio-grandense de Letras.

 

 

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