O poder das redes: a política virou refém do algoritmo?
O escândalo da fraude no INSS contra aposentados e pensionistas aqueceu novamente o clima político no país. Com isso, os olhares se voltaram para o poder da comunicação no ambiente digital. Afinal, oposição e integrantes da base do governo federal buscaram impor narrativas e conduzir os debates na opinião pública. Ou seja, os assuntos […]


O escândalo da fraude no INSS contra aposentados e pensionistas aqueceu novamente o clima político no país. Com isso, os olhares se voltaram para o poder da comunicação no ambiente digital. Afinal, oposição e integrantes da base do governo federal buscaram impor narrativas e conduzir os debates na opinião pública.
Ou seja, os assuntos em alta nas plataformas seguem pautando, e muito, os políticos — e até ações do governo federal. Dois vídeos do deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), conhecido por ser um político influencer e integrante da chamada “bancada da selfie no Congresso”, reforçam essa percepção: o primeiro, criticando a fiscalização do Pix, em janeiro; o segundo, agora em maio, tratando do escândalo de descontos ilegais em aposentadorias.
Com formato mais profissional, produção e roteiro pré-definido, o primeiro conteúdo atingiu números expressivos: mais de 330 milhões de visualizações, 890 mil comentários e 5,8 milhões de compartilhamentos, dados públicos extraídos diretamente do Instagram. Além de impulsionar o debate no digital e no Congresso, a mídia tradicional também deu, e muito, espaço ao político.
A deputada Érika Hilton (PSOL-RJ), apoiadora do presidente Lula, foi uma das vozes mais contundentes contra o discurso de Nikolas Ferreira sobre supostas mudanças no Pix. Sua postagem alcançou 105 milhões de visualizações, 573 mil comentários e 1,2 milhão de compartilhamentos.
Agora, Nikolas busca repetir o desempenho com o material sobre o INSS, no qual classifica o caso como “o maior roubo da história”. A publicação alcançou 190 milhões devisualizações em 48 horas, ultrapassou 430 mil comentários e atingiu 2,9 milhões de compartilhamentos, conforme métricas disponíveis na própria plataforma. A narrativa imposta por Nikolas repercute e, ao que tudo indica, também pauta seus opositores, especialmente os lda base governista.
Vários parlamentares da ala progressista, inclusive o líder do PT na Câmara, produziram vídeos com o objetivo de desmentir a gravação em que Nikolas ataca o presidente Lula.
Estratégia acertada? Depende. A resposta está no alcance das postagens e na capacidade de mobilizar o público. As menções ao deputado feitas por esse grupo também precisam ser analisadas com cautela, já que contribuem, de forma indireta, para ampliar a disseminação da mensagem do adversário. É uma dicotomia complexa: como rebater esse tipo de conteúdo viral sem colaborar, mesmo que involuntariamente, com sua propagação?
O cenário descrito evidencia não apenas a crescente centralidade das mídias digitais no jogo político contemporâneo, mas, sobretudo, a vulnerabilidade das instituições democráticas diante da lógica da espetacularização e da viralização. Os problemas reais do país ficam em segundo plano diante desse cenário.
A política, em sua essência deliberativa, vem sendo gradualmente substituída por performances digitais desenhadas para gerar engajamento — não necessariamente reflexão. Deputados que dominam as linguagens das redes, como Nikolas Ferreira, operam hoje como atores centrais na construção das narrativas políticas, muitas vezes ocultando os canais tradicionais de debate institucional e obrigando, com frequência, o governo a reposicionar sua comunicação para atender à lógica do debate nas plataformas.
Mas quem ganha com isso? Acredito que apenas a extrema direita.
A política digital brasileira atravessa um momento em que o volume de visualizações parece pesar mais do que a consistência argumentativa ou o compromisso ético com a sociedade e a política. O problema não está apenas na presença dessas estratégias, mas na ausência de mecanismos regulatórios e formativos que capacitem a sociedade a discernir entre informação, manipulação e propaganda.
Se a democracia representativa não conseguir se adaptar a esse novo ecossistema comunicacional sem abrir mão de seus princípios, corremos o risco de consolidar uma lógica em que o poder já não emana do povo, mas dos algoritmos.
Reverter esse quadro exige mais do que crítica. Implica a construção de uma cultura política digital que promova educação midiática, transparência algorítmica e responsabilidade comunicacional, sobretudo entre aqueles que ocupam cargos de poder. A disputa pela hegemonia narrativa nas redes é, hoje, a disputa pelo próprio futuro da democracia.
* Por Vanessa Marques – jornalista, mestre em comunicação na Espanha, e atua há 20 anos na comunicação política, com 13 anos de experiência como coordenadora de comunicação de mandato na Câmara dos Deputados.
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