O ronco das ruas (por Antônio Carlos de Medeiros)
Declínio do bolsonarismo e das narrativas que levam à fúria da polarização no Brasil

O domingo 21/09 será lembrado como o retorno da sociedade civil às ruas do Brasil, fora das bolhas do bolsonarismo e do petismo. Fenômeno que o Brasil não via há muitos anos.
Reação cabal à chamada PEC da blindagem e alerta real e simbólico à desconexão do Congresso Nacional com a sociedade, isto é, o povo brasileiro.
O retorno do ronco genuíno das ruas já sinalizou para o declínio do bolsonarismo e das narrativas que levam à fúria da polarização no Brasil. Ou seja, sinalizou para a queda da predominância da polarização pelo lado bolsonarista.
Já a reação de Donald Trump na ONU, ao cruzar com o presidente Lula na antessala do Plenário e abraça-lo, afirmando sentimento de empatia, contém a ação de Eduardo Bolsonaro contra o Brasil e a favor da anistia para seu pai, Jair Bolsonaro.
Deverá causar também a queda da polarização. Se a empatia Trump/Lula evoluir para a abertura de diálogo negocial entre os dois líderes, este diálogo vai diminuir a necessidade da retórica lulista da soberania. Ou seja, sinaliza para a queda da predominância da polarização pelo lado do lulismo-petismo.
Resultante: fenecem gradualmente as forças da polarização.
Mesmo neste novo contexto, ainda em formação, Brasília continuou nesta semana a virar palco de uma verdadeira blitzkrieg do bolsonarismo em defesa da pauta da anistia. Agora com a chamada PEC da Dosimetria, que visa diminuir as penas dos sentenciados. Trata-se, como se sabe, principalmente da anistia para Jair Bolsonaro.
Como era de se esperar no pós-julgamento no STF da tentativa de golpe de estado, a turbulência política escalou muitos níveis de decibéis. A caixa de ressonância é o Congresso Nacional, espelhando a dissonância das redes sociais.
Mas a blitzkrieg bolsonarista tende a perder tração gradualmente, de agora até a definição oficial das candidaturas presidenciais em 2026.
Neste momento, é hora da fúria no palco das redes sociais.
É hora, também, do casuísmo legislativo no Congresso Nacional. Com ampla rejeição da sociedade nas redes sociais – e agora nas ruas.
A fúria não vai embora. É um produto dos novos tempos dos algoritmos e das big techs. Transformando ressentimentos e frustrações em fúria. Em maior ou menor grau. Dependendo das circunstâncias e das conjunturas.
O Estado brasileiro está distante das aspirações e expectativas da sociedade brasileira. Os três poderes da República com déficit de legitimidade e eficácia. Frustrações.
O bolsonarismo também não vai embora. Jair Bolsonaro compreendeu e assimilou o espírito da época em 2013. E assumiu o perfil da nova direita.
Só que o bolsonarismo sem Jair Bolsonaro vai precisar de alinhamento com uma direita mais moderada, se quiser se entender com o povo e sobreviver politicamente.
O declínio do bolsonarismo raíz já é visível.
O Brasil é hoje pró-centro direita e moderação. Não quer a fúria das narrativas ideológicas e das realidades paralelas. Quer a “fúria” da determinação pelo fazer, gerir e entregar. Os brasileiros, vale repetir, têm déficit de expectativas e entregas.
Vem daí a emergência de novo espírito de época, na direção do contorno da polarização ideológica e da sua substituição pela velha e boa divergência democrática civilizada. Como eram, por exemplo, as divergências e a “polarização” entre o PSDB e o PT nas Eras FHC e Lula 1 e 2.
Agora, os decibéis e a retórica ainda vão alimentar a turbulência pelo menos até o Natal.
Mas lá em 2026, no pega-pega das eleições, Sua Excelência o Eleitor não deverá basear suas razões de votos na retórica das narrativas. Vai ser pragmático. Vai buscar o perfil de gestor que faz entregas de boas políticas públicas.
Isto é relevante: em 2026 é provável que a retórica das narrativas não se comunique com o pragmatismo de crescente espectro do eleitorado. São os chamados “Nem Nem”, cada vez mais numerosos. Eles querem fatos reais. Não promessas.
Se os futuros candidatos insistirem no modo polarização, será provável alto índice de alienação eleitoral (brancos, nulos, abstenções). Aliá, até presumo que se os votos em branco voltassem a ser votos válidos, como já foram no passado, um simbólico “Mister em Branco” poderia ser muito competitivo.
Até porque as eleições presidenciais de 2026 estão em aberto. A última pesquisa Quaest mostrou 68% de indecisos na menção espontânea. Mostrou, também, que é significativa a alienação eleitoral na menção estimulada. Mais de 10% do eleitorado nos vários cenários de simulação de segundo turno.
Se porventura o processo eleitoral de 2026 tentar refletir mais uma vez o modo polarização de 2018 e 2022, o enraizamento do velho dilema Estado “versus” Sociedade – com crise de representatividade e de governabilidade – poderá tornar o nosso ano de 2027 uma réplica de 2013.
Quem não lembra do período 2013/2016: a saga das manifestações de ruas. Uma espécie de inverno dos descontentes. Anomia social.
Será?
Melhor não. Melhor o poder político conectar-se com a sociedade.
E derrotar o ressentimento e a fúria.
Isto já foi possível no Brasil.
Já houve um tempo em que os brasileiros viveram com sensação de bem-estar no seu próprio país. Por exemplo na Era FHC e na Era Lula 1 e 2.
É viável e está ao alcance do exercício da soberania popular na cabine eleitoral em outubro de 2026.
Eleger uma Frente Ampla de verdade em 2026.
*Pós-doutor em Ciência Política pela The London School of Economics and Political Science.
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