Passarinho mentiroso: estudo diz que animais espalham fake news

As redes sociais humanas estão repletas de desinformação. Circulam boatos, vídeos e imagens manipuladas e muita fofoca sem base na realidade. Esse cenário parece moderno, mas um novo estudo indica que o fenômeno das fake news é antigo e atravessa toda a vida terrestre.

Um artigo publicado na revista Interface na quarta-feira (10/12) por biólogos da Universidade Cornell, nos Estados Unidos, sustenta que a desinformação não surgiu com os humanos. Os autores defendem que sinais enganosos constituem propriedade inerente de sistemas biológicos de comunicação. O padrão aparece em bactérias, aves e grupos humanos.

Leia também

• Paulo Cappelli

  Dino vira alvo de fake news após operação policial no RJ

• Viralizou

  Instagram exclui perfis falsos de artistas que espalhavam fake news

• Economia

  Como fintechs e fake news sobre Pix podem ter ajudado crime organizado

• Blog do Noblat

  Rouanet, fake news e desigualdade

A equipe fez uma revisão de estudos e analisou décadas de pesquisas para rastrear como informações falsas ou imprecisas circulam na natureza. Os resultados indicam que a comunicação social carrega sempre atrelada a si a informação enganosa e muitas vezes a mentira é contada de propósito.

“A desinformação transmitida socialmente provavelmente é uma característica onipresente da comunicação biológica e, portanto, deve ser vista como parte fundamental dos sistemas sociais, ecológicos e evolutivos, em vez de uma patologia que de alguma forma está à parte do funcionamento normal desses sistemas”, explicam os autores.

Chapins-reais e as fake news constantes

Tenha cuidado com o que os passarinhos andam te contando. Segundo o estudo, um pássaro conhecido como chapim-real (Parus major) apresenta taxas elevadas de mensagens enganosas: cerca de dois terços dos alarmes gritados por eles em áreas de alimentação são falsos.

Parte desses alarmes surge por erro. O animal reage à ameaça de uma folha se mexendo, por exemplo, mas não há predador ali. Há evidências, porém, de uma produção deliberada de mentiras para afastar os companheiros e roubar recursos alimentares.

Na prática, eles estão o tempo todo gritando fogo no restaurante para tirar comida do prato do vizinho. E apesar de muito mentirosos, eles seguem acreditando nos alertas. Para os pesquisadores, isso é fruto do custo de ignorar um alerta verdadeiro, o que poderia fazê-los morrer na mão de predadores e a decisão tem que ser tomada rapidamente.

Indivíduos que emitem sinais enganosos podem obter benefícios diretos. Ao provocar fuga do grupo, ganham acesso a comida ou parceiros sem lidar com a concorrência. Foto mostra o chapim-real (Parus major), o mentiroso da natureza

Mentiras também em outras espécies

Tirando estes pássaros especializados em desinformação, porém, o que a biologia mostra é que a eficácia de uma mentira contada depende da frequência. Alarmes falsos funcionam melhor quando raros. Se engano se torna comum, o grupo passa a ignorar sinais daquele indivíduo.

A desinformação ocorre em várias espécies. Bactérias usam sinais químicos para organizar defesas coletivas, por exemplo, mas algumas vezes elas emitem sinais antes para fazer as demais produzirem defesas fora de hora.

Também há registros de populações animais como baleias e golfinhos copiando rotas migratórias desatualizadas por confiar na liderança de um ou mais representantes de uma tradição coletiva que acaba expondo eles a maiores perigos.

Após estabelecer o modelo teórico, os pesquisadores querem explorar impactos práticos de entender o papel da desinformação para manter grupos coesos ou separá-los. Os autores sugerem que princípios semelhantes podem atuar em cardumes e plataformas digitais, com pessoas acreditando mais em quem diz algo do que na possibilidade de aquilo ser correto. “Compreender limites biológicos pode inspirar estratégias humanas de controle de boatos”, concluem os autores.