Só quero estar com ela, o resto perdeu a graça. É a minha solidão luciana

É uma solidão muitíssimo bem acompanhada, essa solidão luciana. Tudo o mais me desinteressa, só quero estar com ela

Dezembro 24, 2025 - 05:30
 0  0
Só quero estar com ela, o resto perdeu a graça. É a minha solidão luciana

Dei um nome à minha solidão de agora, solidão luciana, com a letra ‘ele’ minúscula, porque não é nome próprio. É um adjetivo, mas também pode ser um substantivo e até virar um advérbio.

É uma solidão muitíssimo bem acompanhada, essa solidão luciana. Tudo o mais me desinteressa, só quero estar com ela, tudo que não aponte pra ela me soa enfadonho, tipo conversa social, que aliás eu nunca soube levar adiante.

A luciana, minha solidão, está comigo o tempo todo. E desde que estamos juntas, tenho conhecido muitos mundos novos, pessoas, palavras, ideias, navios, oceanos, cidades, países, continentes, épocas e até arquiteturas. E o Brasil, um banho de Brasil moderno.

A solidão luciana flutua nas águas, se acomoda nas embarcações. Subindo o Rio Amazonas de Belém até Manaus, em meados do século XIX num barco de madeira protegido até a metade por uma cobertura de palha, daí o nome que ele tinha – coberta. E nele os avós maternos de Lucio Costa.

Lucianamente, singro mares desde o Atlântico até o Mediterrâneo com o pai de Lucio Costa inventando botes e jangadas salva-vidas e equipamentos que aprimoravam as embarcações da época. Ou com o bebê Lucio que veio com a família para o Brasil num navio a vapor. E, depois nas várias vezes em que o arquiteto viajou por esse mundo afora muitas vezes em navios, até mesmo depois que a aviação comercial se consolidou.

Leia também

E assim, movida pelas águas lucianas, estou neste exato Natal de 2025 em pleno oceano atravessando o Atlântico desde Marselha até o Rio de Janeiro, num navio a vapor cheio de imigrantes estrangeiros que vinham para o Brasil em busca de prosperidade. E movidos, sabe-se, pelo desejo do governo brasileiro de embranquecer a pele preta e mestiça do povo.

Os migrantes vinham na terceira classe, nos porões perto das caldeiras, em beliches de metal superpostos em longos e apertados corredores. A comida era servida em grandes bacias coletivas, como um prato gigante, onde cada um abocanhava o que pudesse. Adoecia-se e morria-se na viagem.

Em minhas lucianas buscas, cheguei até ao eminente sociólogo José de Souza Martins, professor titular aposentado da USP, que prontamente me sugeriu a leitura de uma de suas obras, Moleque de Fábrica (Ateliê Editorial), na qual relata a vinda de seus pais, embora em viagens diferentes, no mesmo barco que trouxe o bebê Lucio da França ao Brasil. A família do engenheiro naval Joaquim Ribeiro da Costa, pai do arquiteto, veio de primeira classe, em condições de viagem bem diferentes das dos migrantes.

Mas minha maior felicidade luciana foi quando encontrei o documento manuscrito com os nomes de todos os passageiros do navio que trouxe a família Ribeiro da Costa. Minha luciana solidão estava completa!

Em tudo há novidades: jamais poderia imaginar que Carlos Drummond de Andrade, com a hipersensibilidade de grande poeta, magro, rosto fino, olhos juntinhos, jeito tímido, pudesse ter sido um servidor público atento, um homem ativo, pragmático, político.

Em tudo há um Brasil procurando se afirmar como Nação, com seus acertos e tropeços, desde Manaus na excitação do ciclo da borracha, até o Rio de Janeiro, a mais luciana das cidades por onde tenho andado, física e imaginariamente. Por certo, sairei mais brasileira desta luciana solidão. E movida pelo jeito poético com que Lucio lidava com o mundo, como nessa foto de uma peteca com que ele encerra o Registro de uma vivência, sua autobiografia.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

What's Your Reaction?

like

dislike

love

funny

angry

sad

wow

tibauemacao. Eu sou a senhora Rosa Alves este e o nosso Web Portal Noticias Atualizadas Diariamente