Subdesenvolvimento em marcha (por André Gustavo Stumpf)
O Brasil perdeu oportunidades relevantes nos últimos anos
Mesmo após 26 anos de negociações, os líderes europeus pediram ainda mais um mês com objetivo de discutir, entre si, as condições finais para referendar o acordo com os países do Mercosul, o famoso e discutido tratado de livre comércio, que seria assinado, com grande pompa, neste final de semana, em Foz do Iguaçu. Franceses e italianos se declararam contra o tratado, enquanto a maioria dos europeus pretende assinar o documento. Os alemães querem o acordo para abrir uma janela de oportunidades comerciais para o bloco europeu constrangido pelos russos, de um lado, e pelos norte-americanos de outro. E os chineses olhando para avançar no momento certo.
Se o tratado for assinado, serão 722 milhões de consumidores integrados em um único mercado. Os europeus terão frutas, verduras e carnes melhores e mais baratas. Deste lado do Atlântico, os produtos industriais poderão conhecer novos e maiores mercados. É positivo para os dois lados. Cria novas correntes de comércio, obriga a concorrência a tratar bem o consumidor e aperfeiçoa os canais de comunicação entre os dois blocos. Moderniza os dois lados. Na França e na Itália, a agricultura é fartamente subsidiada e pouco produtiva. Seus agentes temem a concorrência com soja, milho e carne produzidos na América do Sul.
Na realidade, franceses e italianos revelam antigos preconceitos. É difícil para um francês admitir que a carne produzida na América do Sul é tão saborosa e mais barata do que aquela produzida nos campos do país. O mesmo distanciamento se coloca para os agricultores italianos. Eles não podem admitir que serão superados por latinos, que produzem em campos que, segundo eles, foram conquistados na devastação da Amazônia. Eles misturam todos os argumentos de propósito para confundir seu eleitorado.
Lula esbraveja, mas sua irritação não movimenta um músculo da face dos que se recusam a assinar o tratado de livre comércio. O Brasil já se acostumou a perder tempo e a deixar passar grandes oportunidades. No dia 15 de agosto de 1974, durante o governo militar do presidente Ernesto Geisel, o Brasil reconheceu a República Popular da China, rompeu seus laços anteriores com Taiwan, República da China. O chanceler Azeredo da Silveira foi chamado de “chancelerzinho vermelho” e o presidente Geisel de governar para os comunistas pelos mesmos militares de extrema direita, que tentaram promover o golpe de Estado no dia 8 de janeiro. O produto interno bruto chinês, na época era avaliado em US$ 144 milhões. O do Brasil era várias vezes maior.
Reconhecer o regime socialista foi o primeiro e corajoso passo para abrir uma enorme porta no sistema de trocas nacional. Hoje a China é o maior parceiro comercial do Brasil, superando com ampla vantagem os Estados Unidos. Foi este detalhe que permitiu ao presidente Lula falar de igual para igual com Donald Trump. O Brasil não foi asfixiado pelas tarifas exorbitantes decretadas por Washington. Foi um ponto positivo. Dos poucos avanços ocorridos no país nos últimos 40/50 anos.
O Brasil perdeu oportunidades relevantes nos últimos anos. Exemplo doloroso vem da Educação. O mesmo partido está no poder no país há mais de duas décadas, sempre praticou o discurso de defesa da educação, mas fez muito pouco para reduzir analfabetismo ou massificar o ensino superior. É preciso ter referências para entender o abismo das oportunidades perdidas. O Vietnã, pequeno país no sudeste asiático, enfrentou guerras pesadas contra a França e Estados Unidos. Venceu as duas. Unificou o país. É um regime socialista, no estilo chinês, que privatizou empresas estatais, investiu em educação e no comércio exterior.
Hoje é uma das economias que mais cresce no mundo. Só agora, depois que Trump colocou o Brasil contra a parede, os negociadores brasileiros decidiram abrir negociações comerciais com aquele país. Mesmo fenômeno aconteceu com a Índia, país mais populoso no mundo, com 1,4 bilhão de pessoas. A sociedade é dividida em castas, o que é um problema. Mas eles contornaram as dificuldades e caminham para chegar ao terceiro lugar entre as maiores economias do mundo.
O Brasil está tentando, neste momento, lançar um foguete sul-coreano na base de Alcântara no Maranhão. Há mais de dez anos aquela base está abandonada. O esforço na área aeroespacial foi perdido, depois de um incêndio. O país está começando, de novo, neste setor. Enquanto isto, europeus e asiáticos lançam seus produtos no espaço e os norte-americanos tentam chegar a Marte. O governo do Brasil está olhando os foguetes passarem sobre nossas cabeças. O país não tem sequer capacidade de colocar um satélite em órbita. Mas o parlamento continua discutindo temas tão relevantes quanto a dosimetria das penas ou as verbas secretas que abastecem sibaritas em vários pontos do país. Eles garantem o desenvolvimento do subdesenvolvimento nacional. Nada acontece por acaso.
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