Um bem-vindo degelo (por Marcos Magalhães)
Donald e Luiz Inácio trocaram números de telefone

Donald e Luiz Inácio trocaram números de telefone e ficaram de se encontrar em breve, quem sabe na Malásia. Foi a segunda vez que se viram. Da primeira, ao vivo, na sede das Nações Unidas. Agora por vídeo. Para quem se hostilizava à distância, um bom começo.
Os presidentes dos Estados Unidos e do Brasil não precisam ser amigos. Mas certamente inimigos os líderes dos dois maiores países das Américas não devem ser. O mundo de hoje já é demasiadamente fraturado e perigoso para entoar cantos de guerra.
Por tudo isso, é bem-vindo o degelo entre Washington e Brasília. Uma operação rápida, discreta e bem-preparada, sem espaços para armadilhas como a preparada pela Casa Branca para o presidente da Ucrânia, Volodymir Zelensky.
Uma ligação por vídeo, feita a partir de Washington, acompanhada por poucas e importantes testemunhas nos dois países. E depois comunicada ao público por Trump na sua rede social e por Lula por meio de nota do Palácio do Planalto.
Um primeiro passo, bastante profissional, para começar a normalizar as relações entre os dois países. Sem espaço para excessos ideológicos e para qualquer referência à prisão do ex-presidente Jair Bolsonaro, usada pelo governo americano para justificar as tarifas de 50% impostas sobre produtos brasileiros.
É bem verdade que Marco Rubio, o secretário de Estado encarregado por Trump de negociar com o governo brasileiro, pode ser chamado de tudo, menos de moderado.
Rubio foi seduzido pelas lamentações da família Bolsonaro e pode tentar complicar o caminho rumo à normalidade. As empresas brasileiras prejudicadas pelas sobretaxas temem uma contaminação ideológica nas negociações, por iniciativa de Rubio.
Até aqui, porém, fica valendo a impressão positiva – talvez surpreendente – dos dois rápidos encontros presidenciais. Um positivo benefício da dúvida, em contraponto à quase certeza, antes da Assembleia Geral da ONU, de crescente hostilidade.
Nada vai ser tão rápido, nem tão fácil. As negociações bilaterais deverão ser duras e intensas, como se pode prever a partir das conversas mantidas por Trump com aliados tradicionais, como a Europa, a Índia e o Japão.
O presidente americano arrancou concessões desses aliados apenas para depois aliviar os entraves ao comércio que ele mesmo havia criado. Nada indica que o Brasil receberá tratamento mais suave por parte dos negociadores de Washington.
Mesmo assim, o degelo permanece sendo boa notícia. O governo brasileiro poderá demonstrar que o desequilíbrio no comércio bilateral na verdade favorece os Estados Unidos, há bastante tempo.
O governo americano, por sua vez, poderá apresentar claramente as suas demandas. Será o acesso a minerais estratégicos? Terras raras? Redes sociais? Talvez algum tipo de afastamento entre o Brasil e seu maior parceiro comercial, a China?
Até aqui todas as possíveis reivindicações de Washington permanecem no campo nublado das especulações. Se as acusações cederem mesmo lugar às negociações, teremos todos o benefício da transparência.
“Os Estados Unidos e o Brasil se darão bem juntos”, escreveu Trump em sua rede social, após a videoconferência com Lula. Na ONU, ele havia dito que o Brasil continuaria a ter um desempenho “pobre” enquanto não trabalhasse com seu país.
Existe espaço para ampliar o relacionamento econômico. Se, de um lado, há desafios como o da regulamentação das redes sociais, por outro existe a possibilidade de cooperação em áreas como data centers e inteligência artificial.
O potencial dessas duas áreas já tem atraído grandes empresas americanas para projetos em desenvolvimento em diversas regiões do Brasil.
Os dois países não precisam ser – e nem serão – aliados incondicionais. Já vai longe o tempo do alinhamento automático com as diretrizes de Washington. Se o entendimento prevalecer em relação ao confronto, porém, há muita margem para cooperação.
Marcos Magalhães. Jornalista especializado em temas globais, com mestrado em Relações Internacionais pela Universidade de Southampton (Inglaterra), apresentou na TV Senado o programa Cidadania Mundo. Iniciou a carreira em 1982, como repórter da revista Veja para a região amazônica. Em Brasília, a partir de 1985, trabalhou nas sucursais de Jornal do Brasil, IstoÉ, Gazeta Mercantil, Manchete e Estado de S. Paulo, antes de ingressar na Comunicação Social do Senado, onde permaneceu até o fim de 2018.
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