Adiamento de lei do desmatamento pode destravar acordo com Mercosul

A segunda suspensão consecutiva é vista como estratégica para facilitar assinatura do pacto comercial com o bloco. Ambientalistas criticam

Sep 24, 2025 - 05:00
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Adiamento de lei do desmatamento pode destravar acordo com Mercosul

A Comissão Europeia propôs, na terça-feira (23/9), adiar para 2026 a entrada em vigor da lei que proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento, como soja, carne bovina, cacau e óleo de palma. O segundo adiamento consecutivo é visto como estratégico para facilitar a assinatura do acordo comercial com o Mercosul, cujas negociações foram oficialmente concluídas esta semana. Ambientalistas criticam o recuo, enquanto se aproxima a assinatura do tratado, prevista para dezembro em Brasília.

Para frustração de organizações ambientais, a Comissão Europeia propôs nesta terça-feira (23) adiar novamente – de 2025 para o fim de 2026 – a entrada em vigor da lei que proíbe a importação de produtos ligados ao desmatamento. Segundo a comissária europeia de Meio Ambiente, Jessika Roswall, o adiamento se deve a dificuldades técnicas na implementação do sistema digital de monitoramento das florestas.

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A proposta foi anunciada poucas horas após a assinatura de um acordo de livre comércio com a Indonésia, país que se opõe fortemente à legislação, que pretende barrar a entrada na Europa de produtos como óleo de palma, cacau, café, soja e madeira provenientes de áreas desmatadas após dezembro de 2020. A lei também foi criticada pelos Estados Unidos sob o governo de Donald Trump, que firmaram um acordo comercial com a União Europeia em julho.

A proposta de adiamento será submetida aos países membros e ao Parlamento Europeu, onde pode receber apoio de partidos de direita e extrema direita, em meio a um contexto político de crescente pressão contra o Pacto Verde europeu. Para entidades ambientais, trata-se de mais um golpe contra a proteção das florestas. “É uma péssima surpresa”, declarou Anke Schulmeister-Oldenhove, do WWF. “É o segundo adiamento, e o argumento técnico levantado gera dúvidas.”

Agronegócio não quer lei contra desmatamento

Em 2024, a UE já havia postergado a aplicação da lei em um ano, diante da forte oposição de setores do agronegócio e de diversos países da África, Ásia e Américas. Dentro do bloco europeu, países como Itália e Áustria também pressionam por mudanças, alegando que as exigências impostas aos agricultores e silvicultores europeus são excessivas ou inviáveis.

Desta vez, Roswall justificou o novo atraso por dificuldades técnicas na implementação do sistema digital que vai monitorar a origem dos produtos. Segundo ela, o volume de dados exigido pelas empresas e pela indústria é tão alto que há risco de sobrecarga e falhas operacionais.

“Estamos preocupados com o sistema informático, pela quantidade de informações que ele precisa processar. Precisamos de mais tempo para avaliar os riscos e encontrar soluções”, afirmou a comissária europeia de Meio Ambiente. Ela negou que o adiamento tenha relação com pressões externas, como as críticas dos Estados Unidos à política ambiental europeia.

Esses países defendem a criação de uma categoria de “risco zero” para nações que poderiam ser dispensadas das obrigações e fiscalizações. O ministro da Agricultura da Alemanha, Alois Rainer, manifestou apoio à proposta em maio. A diferença de posicionamento entre Alemanha e França sobre o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul reflete interesses econômicos, políticos e ambientais distintos.

Alemanha X França: a disputa dentro da UE

A Alemanha apoia o acordo UE-Mercosul por razões estratégicas e econômicas, enxergando nele uma oportunidade de ampliar mercados para setores industriais como automóveis e máquinas. O tratado também é visto como uma forma de reduzir a dependência da China, garantir acesso a minerais essenciais como o lítio – utilizado em baterias de carros elétricos e híbridos, celulares e notebooks – e fortalecer a posição da União Europeia diante das tensões comerciais globais. O governo alemão defende uma postura pragmática e pró-livre comércio para manter a relevância internacional do bloco.

Já a França se opõe ao acordo por preocupações com sua agricultura nacional, especialmente o setor de carne bovina, que teme concorrência desleal de produtos sul-americanos. O governo francês também exige cláusulas ambientais mais rígidas, com foco na proteção da Amazônia, e busca salvaguardas para setores vulneráveis. Paris tenta formar uma “minoria de bloqueio” com outros países europeus, como Itália e Polônia, para impedir a ratificação do tratado em sua forma atual.

O que a lei vai exigir, se for assinada?

Pela lei, empresas importadoras terão que comprovar que os produtos não são provenientes de áreas desmatadas recentemente, usando dados de geolocalização fornecidos pelos produtores e imagens de satélite – um processo considerado complexo e burocrático por seus críticos.

Jessika Roswall reconheceu os desafios técnicos, mas garantiu que a Comissão Europeia continua comprometida com a iniciativa. “Trabalhamos duro por muitos anos nesse projeto, que é uma ação essencial. Continuamos firmes na luta contra o desmatamento”, afirmou.

Acordo UE-Mercosul: tratado pronto, assinatura em dezembro

Enquanto a lei ambiental é postergada, o acordo comercial entre União Europeia e Mercosul avança. Segundo o chanceler brasileiro Mauro Vieira, as negociações foram oficialmente encerradas, e o texto está em análise pelo Conselho Europeu. A assinatura está prevista para a cúpula do Mercosul em dezembro de 2025, em Brasília.

O tratado criará uma das maiores zonas de livre comércio do mundo, com mais de 700 milhões de pessoas. Para o Brasil, os benefícios incluem aumento das exportações, acesso a tecnologias europeias e maior integração econômica. Em contrapartida, o país terá que supostamente se adaptar a exigências técnicas e ambientais mais rigorosas.

O adiamento da lei contra o desmatamento é interpretado como um gesto político para destravar o acordo com o Mercosul, mas a legislação gerou forte resistência de países produtores, que alegam que as exigências europeias ignoram legislações locais e penalizam pequenos agricultores.

Leia mais em RFI, parceira do Metrópoles.

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