As meninas de escola pública e um cheiro de esperança no ar

O livro da vida real, em duas escolas públicas do Distrito Federal, me entregou esperança e encheu meu coração

Sep 24, 2025 - 03:30
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As meninas de escola pública e um cheiro de esperança no ar

Têm sido esperançosos os dias mesmo para quem já tinha se conformado com os tristes caminhos da humanidade. Horizontes de esperança no macro Brasil e na micro Brasília. Esperança que vale por ela mesma. A cabeça fora d´água por um instante para seguir nadando.

A esperança apareceu no meu micromundo em duas escolas públicas de ensino médio do Guará e de São Sebastião, duas cidades-satélites (ou regiões administrativas, como quiserem) desse quadrado desconcertante que se chama Distrito Federal.

Na primeira manhã, no Guará, uma turma de adolescentes se juntou numa roda de conversa sobre escrita criativa que acabou virando uma roda de depoimentos de meninas brasilienses, a terceira geração nascida na cidade que mais misturou os brasis nos últimos 60 anos.

São meninas da geração Alfa, de 15/16/17 anos, nascidas no vulcão ensandecido da internet. Sendo assim, eu imaginava que elas estavam com o sistema cognitivo comprometido, vivendo numa realidade paralela, atordoadas pela velocidade e a superficialidade tiktokeanas.

Caí da cadeira. As garotas desenvolveram – é o que me parece – um filtro interno capaz de detectar o real do irreal naquilo que veem aceleradamente nas redes sociais. Ao mesmo tempo, no chão da realidade, elas lidam continuamente com as durezas da sociedade patriarcal e dos tempos caóticos que lhes coube viver.

Uma das garotas contou que, na casa dela, há limite de horário para uso do celular. Porém, ainda não há limite para as diferenças no tratamento que os pais dão à filha mulher e ao filho homem. Ela deu um exemplo:

“Esses dias, eu tinha de fazer o almoço. Pedi pra meu irmão me ajudar e ele fez corpo mole. Insisti e ele, com muita má vontade, foi fazer o arroz. E deixou queimar! Eu reclamei, ele jogou a culpa em mim, a gente brigou. E no fim das contas minha mãe colocou nós dois de castigo. Ele sempre se livra”.

Há nelas uma consciência nítida do quanto mães e pais protegem os meninos e impõem às meninas a maturidade precoce. E mais adianta: do quanto as relações afetivas com os garotos ficam comprometidas dada a flagrante imaturidade deles que não poucas vezes se traduz em violência.

“A gente tem de ser adultas muito cedo e eles passam a vida vivendo como se fossem crianças, jogando videogame, e todo mundo acha isso lindo.”

É uma geração com dificuldade de concentração para leituras de textos longos, elas admitem, mas o surpreendente é que a articulação verbal delas é rica em vocabulário sem deixar nada a dever à língua culta.

Do outro lado do quadradinho, em São Sebastião, no Centro Educacional São Francisco, que todo mundo chama de Chicão, outras esperançosas surpresas, a começar pela própria arquitetura do edifício. Do lado de fora, é apenas uma fachada compacta cercada por um muro que contorna toda a escola, como todas as outras.

Lá dentro, há um pátio interno muito colorido, aberto para o Sol, com uma passarela ao modo Oscar Niemeyer, as paredes cheias de referências à cultura afro, cultura pop, cultura funk, música popular brasileira (uma imagem de Caetano Veloso ilustra o auditório).

Num quadro dedicado ao Setembro Amarelo, de prevenção ao suicídio, anotei uma frase, escrita por um aluno ou uma aluna: “Quando parecer que é o fim, lembre-se: a vida é como um livro, cada capítulo tem algo novo e emocionante para oferecer”.

O livro da vida real, em duas escolas públicas do DF, me entregou esperança e encheu meu coração.

* Este texto representa as opiniões e ideias do autor.

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