Joyce Moura: A dor que não sai no noticiário: o que perdemos quando o Estado vence matando

Na última operação policial em grande escala na cidade do Rio, realizada contra facções criminosas em favelas da Zona Norte, foi registrada uma cifra estimada de pelo menos 119 mortes segundo o governo estadual, e até 132 mortos segundo outras apurações. Seja qual for o número final, trata-se de um evento que ultrapassa todas as […]

Oct 30, 2025 - 12:00
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Joyce Moura: A dor que não sai no noticiário: o que perdemos quando o Estado vence matando

Na última operação policial em grande escala na cidade do Rio, realizada contra facções criminosas em favelas da Zona Norte, foi registrada uma cifra estimada de pelo menos 119 mortes segundo o governo estadual, e até 132 mortos segundo outras apurações. Seja qual for o número final, trata-se de um evento que ultrapassa todas as operações anteriores em letalidade na cidade o que o coloca como um choque de peso para a sociedade.

 

Ao mesmo tempo, é essencial lembrar que todo ser humano tem alguém que o ama, um pai, uma mãe, um filho, uma irmã, uma amiga. Independentemente de suspeição ou de envolvimento, a perda de uma vida, e também a perda de sentido do cotidiano das pessoas atingidas , familiares, vizinhos, amigos  transforma-se em marca, trauma, questionamento.

Neste episódio aparece um aspecto terrível: não apenas suspeitos de crime organizado morrem, mas há indicativos de que inocentes, moradores que não tinham ficha criminal, familiares, pessoas que não tinham relação direta com o confronto também foram vitimados ou impactados. Estudos e denúncias de entidades de direitos humanos apontam para mortes que podem configurar execuções sumárias ou uso desproporcional da força.

 

Por exemplo, no caso da Chacina do Jacarezinho de 2021, 13 pessoas que não tinham antecedentes criminais foram listadas entre os mortos. Esse precedente ajuda a entender o alto grau de risco em operações desse tipo: além da letalidade, há o risco de que as vítimas não sejam apenas combatentes, mas cidadãos comuns.

 

Quando a vida humana é transformada em estatística “número de mortos em operação”, corre-se o risco de deixar de ver que por trás de cada número existe uma rede de relações, de afetos, sonhos interrompidos, futuros que se desfazem. Um massacre assim não elimina apenas “suspeitos”: elimina possibilidades, retira sentido do cotidiano de muitos, cria feridas sociais.

 

O que pode ser feito para combater o crime e evitar que chegue a esses massacres

 

1. Fortalecimento da prevenção e presença comunitária

 

O combate ao crime precisa começar antes da escalada: investimento em educação, lazer, oportunidades de trabalho para jovens, infraestrutura em favelas e periferias. Quando o Estado marca presença cotidiana não só policial, mas social, de cidadania reduz-se o espaço de atuação do crime.

 

Projetos de inclusão social e intervenção precoce (identificação de jovens vulneráveis, apoio psicológico, esportes, cultura) ajudam a desarmar o ciclo de recrutamento para grupos criminosos.

 

2. Reforma das práticas de segurança pública

 

Operações de grande letalidade tendem a gerar graves consequências colaterais. É necessário que toda ação policial respeite rigorosamente os direitos humanos, tenha planejamento preciso, uso proporcional da força, mecanismos de transparência e de responsabilização.

 

Instalação de câmeras, auditoria independente das operações, acompanhamento do Ministério Público e das defensorias. Operações de risco devem ter metas claras, proteção de civis garantida e evacuação rápida de não combatentes.

 

3. Desmantelamento das organizações criminosas de modo integrado

 

O combate deve ir além das patrulhas e confrontos: inteligência policial, cooperação entre polícias, fragmentação de redes de apoio logístico, bloqueio de recursos financeiros, e ações que ataquem a raiz (armamento, tráfico, milícias) de forma estruturada.

 

Implantação de programas de proteção de testemunhas, estímulo à delação, acompanhamento penal eficaz, para que os criminosos sejam presos, julgados e não apenas alvos momentâneos.

 

4. Reconstrução das áreas afetadas e acompanhamento às vítimas

 

Após operações desse porte, as comunidades ficam marcadas: ruas fechadas, escolas e postos de saúde interditados, moradores traumatizados. É fundamental que o Estado assuma a reconstrução: restauração de serviços públicos, apoio psicológico, reparação para famílias de vítimas inocentes.

 

A medida de justiça não é apenas punir, mas também reconstruir a dignidade da comunidade.

 

Transparência, participação social e cultura de paz

 

A população deve ser ouvida e envolvida nos planos de segurança local. Comunidades que participam de conselhos locais de segurança, que têm canais para reivindicar direitos e sugerir soluções, criam uma dimensão de corresponsabilidade.

 

Fomentar a cultura de paz, por meio de campanhas, educação para a não violência, mediação de conflitos locais  para que o enfrentamento armado não seja a única resposta.

 

Quando vemos que uma operação se torna “a mais letal da história” de uma cidade como o Rio de Janeiro, não estamos olhando apenas para um dado extraordinário estamos olhando para um momento em que o Estado, o crime e a sociedade se encontram num ponto de ruptura. É um alerta de que o modelo atual de “tiroteio para dar conta da criminalidade” está esbarrando nos seus limites: porque destrói vidas e não somente das que “devem morrer”, mas de muitos que não deveriam estar nessa estatística.

 

É preciso lembrar sempre: quem morre deixa atrás de si alguém que o ama. Uma mãe que não vai mais abraçar o filho; um irmão que vai sentir a ausência; uma comunidade que se fecha; sonhos que se apagam. E para que não chegue a esse estado de “massacre”, é indispensável que o combate ao crime seja também um combate pela vida e pela dignidade.

 

Por Joyce Moura

 

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