O dia em que Albert Einstein foi convidado para ser presidente de Israel

Chaim Weizmann (1874-1952) era um bioquímico de renome internacional. Cidadão britânico, nascido no Império Russo, suas descobertas foram essenciais para a produção em larga escala de acetona, produto que teve uso militar estratégico nos anos 1910: era usado na fabricação de cordite, um explosivo bastante utilizado pelo Reino Unido na Primeira Guerra Mundial. A carreira política de Weizmann foi ainda mais destacada. Ele foi um dos grandes líderes do sionismo, movimento nacionalista que surgiu no fim do século 19 defendendo a criação de um Estado judaico na Palestina. Em 1947, depois dos horrores do Holocausto, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a divisão da Palestina, então sob domínio dos britânicos, em dois Estados, um para judeus e outros para árabes. Israel surgiu como país independente em 1948, mas até hoje a Palestina não é uma nação plena, embora mais de 140 países a reconheçam como um Estado — incluindo o Brasil, desde 2010. Esse número deve aumentar, já que alguns países anunciaram recentemente que vão reconhecer o Estado palestino em setembro, durante a próxima sessão de debates da Assembleia Geral da Nações Unidas, como França, Austrália, Malta e San Marino. A França é o primeiro membro do G7 (grupos das democracias mais industrializadas do mundo) a aprovar a criação do Estado. Outros dois membros, Reino Unido e Canadá, afirmaram que também reconhecerão a Palestina, mas diante de algumas condições. Em 1949, com o Estado de Israel recém-criado, Weizmann foi escolhido presidente do novo país, por sua dedicação à causa sionista. Trata-se de um cargo mais simbólico e cerimonial do que executivo, porque Israel é uma república parlamentarista, com o primeiro-ministro como chefe de governo. Em 1952, aos 77 anos, Weizmann morreu. Israel precisava de um novo presidente. Então, o Ministério das Relações Exteriores levantou nomes de judeus célebres que poderiam ocupar a cadeira e estimular a imigração para o jovem país. Assim, o governo do primeiro-ministro David Ben-Gurion decidiu convidar, mais uma vez, um cientista para o cargo. Mirou logo no mais famoso deles. Convite e recusa Vídeos em alta no g1 O embaixador israelense nos Estados Unidos, Abba Eban, procurou Albert Einstein. O físico alemão vivia no país desde 1933, ano em que Adolf Hitler subiu ao poder e deu início à perseguição de judeus na Alemanha. Eban escreveu uma carta a Einstein em nome de Ben-Gurion. "Israel é um pequeno Estado em dimensões físicas", dizia. "Mas pode atingir a grandeza à medida que exemplifica as mais elevadas tradições espirituais e intelectuais que o povo judeu estabeleceu por meio de seus melhores corações e mentes, tanto na Antiguidade quanto nos tempos modernos." O embaixador ainda reforçou que Einstein não precisaria abdicar de sua carreira científica. Mas ele deveria trocar Nova Jersey, onde morava e trabalhava no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, por Israel. Einstein, então com 73 anos, não se convenceu. Respondeu com cortesia e se mostrou feliz pelo convite, mas não quis embarcar na aventura. O cientista argumentou que não tinha as aptidões requeridas para o cargo, segundo Ze'ev Rosenkranz, curador do Arquivo Einstein, da Universidade Hebraica de Jerusalém, no livro The Einstein Scrapbook ("O álbum de memórias de Einstein", em tradução livre), que traz correspondências e fotografias pessoais do físico. "Estou profundamente comovido com a oferta do nosso Estado de Israel e, ao mesmo tempo, triste e envergonhado por não poder aceitá-la", respondeu Einstein. "Durante toda a minha vida, lidei com assuntos objetivos, portanto, careço tanto da aptidão natural quanto da experiência para lidar adequadamente com as pessoas e exercer funções oficiais." "Só por essas razões, eu seria inadequado para cumprir os deveres desse alto cargo. Estou ainda mais angustiado com essas circunstâncias porque meu relacionamento com o povo judeu se tornou o meu vínculo humano mais forte, desde que tomei plena consciência de nossa situação precária entre as nações do mundo." Segundo Alice Calaprice, autora de diversos livros sobre o cientista, Ben-Gurion ficou aliviado com a recusa. "Ele temia a franqueza de Einstein diante de políticas que poderiam ir contra sua consciência", escreveu em An Einstein Encyclopedia ("Uma enciclopédia Einstein", inédito no Brasil). O primeiro-ministro desabafou ao seu chefe de gabinete, Yitzak Navon (que seria presidente de Israel de 1978 a 1983): "Diga-me o que fazer se ele disser 'sim'. Eu tive que oferecer o cargo a ele porque seria impossível não oferecer. Mas, se ele aceitar, teremos problemas". Em áudio | Em visita ao Brasil, Albert Einstein disse que brasileiros eram 'fofinhos' e comparou povo a 'macacos' Os três erros de Einstein Einstein e Israel Isso não quer dizer que Einstein fosse indiferente aos rumos políticos em Israel. Pelo contrário. "Einstein era membro do movimento sionista. Desde 1921, ele era próximo de Weizmann, representando uma ala de esquerda do sionismo que de

Agosto 13, 2025 - 12:30
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O dia em que Albert Einstein foi convidado para ser presidente de Israel
Chaim Weizmann (1874-1952) era um bioquímico de renome internacional. Cidadão britânico, nascido no Império Russo, suas descobertas foram essenciais para a produção em larga escala de acetona, produto que teve uso militar estratégico nos anos 1910: era usado na fabricação de cordite, um explosivo bastante utilizado pelo Reino Unido na Primeira Guerra Mundial. A carreira política de Weizmann foi ainda mais destacada. Ele foi um dos grandes líderes do sionismo, movimento nacionalista que surgiu no fim do século 19 defendendo a criação de um Estado judaico na Palestina. Em 1947, depois dos horrores do Holocausto, a Assembleia Geral das Nações Unidas aprovou a divisão da Palestina, então sob domínio dos britânicos, em dois Estados, um para judeus e outros para árabes. Israel surgiu como país independente em 1948, mas até hoje a Palestina não é uma nação plena, embora mais de 140 países a reconheçam como um Estado — incluindo o Brasil, desde 2010. Esse número deve aumentar, já que alguns países anunciaram recentemente que vão reconhecer o Estado palestino em setembro, durante a próxima sessão de debates da Assembleia Geral da Nações Unidas, como França, Austrália, Malta e San Marino. A França é o primeiro membro do G7 (grupos das democracias mais industrializadas do mundo) a aprovar a criação do Estado. Outros dois membros, Reino Unido e Canadá, afirmaram que também reconhecerão a Palestina, mas diante de algumas condições. Em 1949, com o Estado de Israel recém-criado, Weizmann foi escolhido presidente do novo país, por sua dedicação à causa sionista. Trata-se de um cargo mais simbólico e cerimonial do que executivo, porque Israel é uma república parlamentarista, com o primeiro-ministro como chefe de governo. Em 1952, aos 77 anos, Weizmann morreu. Israel precisava de um novo presidente. Então, o Ministério das Relações Exteriores levantou nomes de judeus célebres que poderiam ocupar a cadeira e estimular a imigração para o jovem país. Assim, o governo do primeiro-ministro David Ben-Gurion decidiu convidar, mais uma vez, um cientista para o cargo. Mirou logo no mais famoso deles. Convite e recusa Vídeos em alta no g1 O embaixador israelense nos Estados Unidos, Abba Eban, procurou Albert Einstein. O físico alemão vivia no país desde 1933, ano em que Adolf Hitler subiu ao poder e deu início à perseguição de judeus na Alemanha. Eban escreveu uma carta a Einstein em nome de Ben-Gurion. "Israel é um pequeno Estado em dimensões físicas", dizia. "Mas pode atingir a grandeza à medida que exemplifica as mais elevadas tradições espirituais e intelectuais que o povo judeu estabeleceu por meio de seus melhores corações e mentes, tanto na Antiguidade quanto nos tempos modernos." O embaixador ainda reforçou que Einstein não precisaria abdicar de sua carreira científica. Mas ele deveria trocar Nova Jersey, onde morava e trabalhava no Instituto de Estudos Avançados de Princeton, por Israel. Einstein, então com 73 anos, não se convenceu. Respondeu com cortesia e se mostrou feliz pelo convite, mas não quis embarcar na aventura. O cientista argumentou que não tinha as aptidões requeridas para o cargo, segundo Ze'ev Rosenkranz, curador do Arquivo Einstein, da Universidade Hebraica de Jerusalém, no livro The Einstein Scrapbook ("O álbum de memórias de Einstein", em tradução livre), que traz correspondências e fotografias pessoais do físico. "Estou profundamente comovido com a oferta do nosso Estado de Israel e, ao mesmo tempo, triste e envergonhado por não poder aceitá-la", respondeu Einstein. "Durante toda a minha vida, lidei com assuntos objetivos, portanto, careço tanto da aptidão natural quanto da experiência para lidar adequadamente com as pessoas e exercer funções oficiais." "Só por essas razões, eu seria inadequado para cumprir os deveres desse alto cargo. Estou ainda mais angustiado com essas circunstâncias porque meu relacionamento com o povo judeu se tornou o meu vínculo humano mais forte, desde que tomei plena consciência de nossa situação precária entre as nações do mundo." Segundo Alice Calaprice, autora de diversos livros sobre o cientista, Ben-Gurion ficou aliviado com a recusa. "Ele temia a franqueza de Einstein diante de políticas que poderiam ir contra sua consciência", escreveu em An Einstein Encyclopedia ("Uma enciclopédia Einstein", inédito no Brasil). O primeiro-ministro desabafou ao seu chefe de gabinete, Yitzak Navon (que seria presidente de Israel de 1978 a 1983): "Diga-me o que fazer se ele disser 'sim'. Eu tive que oferecer o cargo a ele porque seria impossível não oferecer. Mas, se ele aceitar, teremos problemas". Em áudio | Em visita ao Brasil, Albert Einstein disse que brasileiros eram 'fofinhos' e comparou povo a 'macacos' Os três erros de Einstein Einstein e Israel Isso não quer dizer que Einstein fosse indiferente aos rumos políticos em Israel. Pelo contrário. "Einstein era membro do movimento sionista. Desde 1921, ele era próximo de Weizmann, representando uma ala de esquerda do sionismo que defendia a criação de um Estado binacional, com direitos nacionais a árabes e judeus na Palestina", explica o historiador Michel Gherman, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pesquisador de assuntos ligados ao sionismo e a conflitos Israel-Palestina. Mais uma vez, a correspondência de Einstein nos ajuda a entender isso. Em 1947, após a independência da Índia, ele escreveu para o primeiro-ministro do novo país, Jawaharlal Nehru. Felicitava a conquista indiana e deixava explícita sua convicção. "Fiz da causa sionista a minha própria porque, por meio dela, eu vi uma forma de corrigir um erro flagrante." No ano seguinte, com a criação de Israel, o cientista poderia se dar por satisfeito, após décadas de luta sionista. Mas ele denunciou os abusos praticados por uma parcela mais radical dos israelenses. No fim de 1948, ele e outros intelectuais judeus escreveram uma carta aberta ao jornal The New York Times criticando a visita do político Menachem Begin ao país. Begin era líder da Irgun, uma organização paramilitar sionista conhecida por seus atentados terroristas contra palestinos e britânicos nos tempos pré-Israel. Naquele ano, a Irgun havia massacrado a vila de Deir Yassin, perto de Jerusalém, matando mais de cem civis palestinos — entre homens, mulheres e crianças. Pouco depois, a organização deu origem a um novo partido, Herut ("Liberdade", em hebraico). "A visita de Menachem Begin, líder desse partido, aos EUA é obviamente calculada para dar a impressão de que ele terá apoio americano nas próximas eleições em Israel", dizia a carta ao New York Times. Os signatários deixaram claro, no primeiro parágrafo, o que pensavam do Herut. "Intimamente relacionado em sua organização, método, filosofia política e apelo social aos partidos nazistas e fascistas." Em 2024, perfis de esquerda nas redes sociais brasileiras resgataram essa carta após o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ter comparado as ações de Israel na Faixa de Gaza, em sua guerra contra o Hamas, ao Holocausto. Usados fora de contexto, os argumentos podem dar a entender que o cientista era um opositor de Israel. "Einstein foi retratado tanto como um crítico quanto como um defensor do sionismo e do Estado de Israel, de acordo com a agenda daqueles que desejam reivindicá-lo para sua própria causa", resumiu o historiador britânico Richard Crockatt no livro Einstein and the Twentieth-Century Politics ("Einstein e a política do século 20", sem edição brasileira). Para Crockatt, um ingrediente fundamental da visão do cientista para o que deveria ser o Estado de Israel foi seu comprometimento com uma estrutura mais ampla de valores. "Acima de tudo, está o ódio ao nacionalismo e a devoção ao internacionalismo, que sempre operou como um limite ao seu sionismo e à sua postura em relação a Israel", explicou. Foi esse o Einstein convidado para ser presidente do país em 1952. "A intenção, provavelmente, seria dar legitimidade internacional a um Estado recém-criado e saído de uma sangrenta guerra alguns anos antes", diz Gherman, referindo-se ao conflito entre 1948 e 1949 no qual Israel derrotou a Liga Árabe e tomou mais da metade da área que havia sido reservada para o futuro Estado da Palestina. A carta de Einstein que mudou a história da humanidade: 'Grande erro da minha vida' Como Albert Einstein organizava seu tempo e por que às vezes se esquecia até de almoçar Grupo de Einstein seria considerado traidor no governo Netanyahu, diz especialista O historiador Michel Gherman destaca que, apesar de o cargo de presidente em Israel ter função mais cerimonial, também é "extremamente político". "Einstein não foi convidado somente por ser judeu, mas por ter vínculos políticos com o movimento sionista e com a defesa da criação de Israel", explica Gherman. Ele lembra que outros judeus notáveis foram e são convidados para representar Israel "em cargos simbólicos, com intenção de melhorar a imagem do país". No início dos anos 1990, por exemplo, o ex-primeiro-ministro Shimon Peres defendia, em entrevistas, que o escritor Amós Oz deveria entrar na política. Em 1952, o grupo do qual Einstein fazia parte, o Brit Shalom, tinha uma visão minoritária, mas jamais isolada, explica Gherman. Fora que entre seus membros havia intelectuais respeitados e admirados internacionalmente, como os filósofos Hannah Arendt, Martin Buber e Gershom Scholem. Foram participantes do Brit Shalom que fundaram a Universidade Hebraica de Jerusalém. Mas, hoje, os membros do grupo seriam tratados como "traidores" pelo governo atual de Israel, diz Gherman, apontando que a gestão do primeiro-ministro Benjamin Netanyahu não dá espaço para opiniões divergentes, como a defesa da solução de dois Estados. "Quem seria o Einstein do nosso tempo? Imagine se essa pessoa aceitaria estar no cargo. Ada Yonath, vencedora do Nobel de Química e crítica da ocupação dos territórios palestinos e do que acontece hoje em Gaza, toparia? Acho que não." Como Einstein também não topou, quem acabou virando presidente de Israel naquele ano foi o historiador Yitzhak Ben-Zvi. Já Menachem Begin, o político que visitou os EUA e foi criticado pelo cientista, ficou cada vez mais influente em Israel. Seu partido se tornou uma potência. O Herut foi a principal legenda do conservadorismo israelense nas décadas seguintes. Begin virou primeiro-ministro em 1977, permanecendo no cargo até 1983. Cinco anos mais tarde, o Herut foi absorvido por um outro partido de direita, chamado Likud. Desde 2006, seu líder é Netanyahu, o primeiro-ministro mais longevo da história do país: seus três mandatos, somados, têm quase 18 anos.

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