Psiquiatra sobre tratamento em clínica denunciada: “Desumanização”

Os maus-tratos relatados aa Clínica Recanto vão no caminho contrário do pressuposto da reforma psiquiátrica, que é a humanização

Jul 22, 2025 - 03:20
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Psiquiatra sobre tratamento em clínica denunciada: “Desumanização”

Os relatos sobre o tratamento e os maus-tratos da Clínica Recanto, localizada em Brazlândia, traz à tona o movimento da luta antimanicomial da área da psiquiatria e o quanto essas práticas prejudicam ainda mais a saúde mental de pacientes.

As práticas exercidas pela clínica, como o “acolhimento” – considerada uma sala de castigo – e alta dosagem indiscriminada das medicações nos pacientes, a caracterizam como instituição total, ou seja, um lugar onde existe uma relação de poder muito grande entre quem manda e quem obedece – como os casos de conventos, prisões e os próprios manicômios.

De acordo com o psiquiatra e conselheiro ouvidor do Conselho Regional de Medicina do Distrito Federal (CRM-DF), Tiago Blanco, a Clínica Recanto pode ser definida dessa forma por conta das ações do local exercida nos tratamentos.

“Neste tipo de local, quem está na posição de menor hierarquia só obedece, não tem direito a nada. Quem manda são os superiores através de punições, que se tornam o recurso do controle principal em cima dos pacientes, em que as mais variadas estratégias punitivas podem ser utilizadas nas pessoas que estejam se comportando de forma indesejada”, disse.

Ainda de acordo com Tiago, este tipo de tratamento causa o processo de “desumanização do sujeito”, o que impossibilita o resgate da funcionalidade do paciente que é o princípio fundamental do cuidado da saúde mental e vai ao caminho contrário do pressuposto da reforma psiquiátrica. 6 imagensFechar modal.1 de 6

Prints em redes sociais demonstram o cenário avaliado da clínica por ex-pacientesReprodução2 de 6

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Fatores que culminam para desumanização

Uma outra situação denunciada é a forma como a clínica trabalha com as sessões de psicologia do tratamento, o que impacta diretamente na forma como o paciente passa a lidar com a sua internação.

Segundo um ex-paciente, Matheus (nome fictício), os atendimentos semanais com os profissionais de psicologia do local não eram “acolhedores” e nem “confortáveis”. As sessões costumam ser feitas em qualquer lugar, mas em especial a quadra de esportes, onde os pacientes ou ficavam sentados em cadeiras de plásticos ou nas bancadas de concreto.

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Além disso, há troca constante do profissional designado ao tratamento e o direito de privacidade violado com frequência. “O que você fala para um psicólogo lá, toda a equipe de psicologia fica sabendo”, relatou o ex-paciente da clínica.

O conselheiro ouvidor da CRM-DF destaca que essas situações geram uma quebra de vínculo do paciente com o local, o que dificulta propriamente o tratamento.

“As pessoas precisam ter sua experiência psíquica ressignificada de alguma forma e isso acontece quando se cria um vínculo. O paciente irá falar sobre sua questões íntimas, experiências -psicóticas, ansiosas, depressivas – e até mesmo traumas, com alguém que não conhece. E, com a mudança frequente dos profissionais, terá que repassar por todo o processo novamente e isso pode impactar negativamente na capacidade de criação de vínculo”, explicou Tiago.

O psiquiatra acrescenta que, uma forma de auxiliar o tratamento do paciente, é permitir uma certa frequência de visitas familiares e avaliações médicas. Dessa forma, o paciente tem o cuidado desejável e prescrições recomendáveis, como o aumento correto da medicação, avaliações diárias e o embasamento do tratamento.

Entretanto, a clínica dificulta até mesmo o fator do contato dos responsáveis, o que impossibilita a criação do vínculo familiar do paciente, considerado necessário para a reinserção social e para manter os familiares atualizados sobre o tratamento.

De acordo com Fabiana, uma responsável que já teve seu filho como paciente da clínica, citou que a comunicação com o local é considerada quase “impossível” e os momentos que tinha a chance de conversar com ele eram feitos através de conversas em ligações restritas que a clínica permitia raramente.

“Eu fiquei 15 dias sem ter nenhuma notícia dele. De acordo com a psicóloga dela, ele havia se envolvido em uma briga e por conta disso foi colocado em ‘restrição’, o que me impedia de conversar com ele. Eu pedi a todo momento para falar com ele, mas me negaram todas vezes”, relatou a responsável.

Tiago ressalta que a restrição do contato do paciente com seu familiar ou responsável é uma infração grave dos direitos da pessoa.

“É preciso que a pessoa seja acompanhada e tenha o acesso regular à sua família. Os responsáveis precisam ficar atentos ao cuidado, visto que, uma vez que algum paciente possa ter um delírio ou falas sobre o tratamento, eles possam ter uma interpretação correta do que está acontecendo e possam agir em cima disso”, destacou.

Em casos como esses citados, o paciente ou seu responsável deverá acionar instâncias encarregadas pela fiscalização do local e a proteção da ética do paciente. Dentre as opções que podem investigar este tipo de infração estão o Ministério Público (MP) e o próprio CRM-DF.

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