A política externa americana (por André Gustavo Stumpf)
Tudo começa pelo mínimo de doação de 200 mil dólares que permite um posto na América Central

A possibilidade de encontro entre Donald Trump e Lula em algum momento nos próximos dias demonstra uma singular característica da política externa dos Estados Unidos. O presidente e sua equipe de assessores definem solitariamente a política externa. No caso, ocorreram encontros secretos das assessorias brasileira e norte-americana. Tudo correu ao largo da diplomacia formal. Lá existe um serviço de relações exteriores composto por pessoal rigorosamente selecionado dentro de universidades e treinados em cursos específicos no Departamento de Estado. Mas nem sempre é chamado a oferecer sua contribuição.
Existem 265 postos no exterior servidos por norte-americanos concursados, mas os principais são preenchidos por pessoas nomeadas como consequência do tamanho de suas doações a campanha eleitoral vitoriosa. Tudo começa pelo mínimo de doação de 200 mil dólares que permite um posto na América Central ou em algum ponto distante na Ásia. Postos na Europa ou no Japão exigem doações na casa de milhões de dólares.
Em quase seis meses e mandato, o presidente Donald Trump indicou 61 embaixadores para chefiar missões diplomáticas no exterior. Ele designou nomes de sua escolha até mesmo para países da América Latina que possuem governos ideologicamente desalinhados com a Casa Branca, como o México, a Colômbia e o Chile.
A embaixada americana no Brasil está sem titular desde janeiro. Dias antes da posse de Trump, Elizabeth Bagley deixou Brasília e retornou para os Estados Unidos. Bagley foi nomeada pelo ex-presidente Joe Biden. Ela é uma tradicional doadora de recursos para campanhas do Partido Democrata. No Brasil, já houve uma embaixadora ligada à empresa Boeing, que trabalhava abertamente pela sua patrocinadora.
Desde sua saída, a embaixada é chefiada pelo encarregado de negócios, Gabriel Escobar. Ele tem experiência nas representações diplomáticas dos Estados Unidos em países como Paraguai, Bolívia e Sérvia. A situação do Brasil difere completamente da vizinha Argentina, para onde o presidente americano anunciou Peter Lamelas antes mesmo de sua posse. Lamelas, médico de formação, é um empresário de origem cubana — fundador de uma rede de atendimento de urgências médicas na Flórida com acesso frequente a Mar-a-Lago, o resort privado de Trump.
Para a Colômbia, Trump indicou o advogado Dan Newlin, apoiador do Partido Republicano e ex-xerife no condado de Orange (Flórida). Para a China, o presidente americano escolheu David Perdue, ex-senador republicano pela Geórgia — estado que deu vitória a Biden em 2020 e recuperado por Trump em 2024.
Quando o indicado por Obama para chefiar a embaixada da Noruega foi sabatinado pelo Senado em 2013 seu despreparo e desconhecimento sobre o país ficaram tão evidentes que ele se viu obrigado a retirar sua nomeação. Apesar de jamais ter pisado em Olso, o indicado havia contribuído com US$ 1,3 milhão para a campanha de reeleição do democrata em 2012.
Quando o indicado por Bush-pai para chefiar a embaixada das Bahamas em 1989 foi perguntado sobre suas qualificações pelo Comitê de Relações Exteriores do Senado, ele citou sua experiência com cassinos em Nevada. Acrescentou ainda que via com bons olhos a possibilidade de se instalar no país caribenho, pois lá teriam muitos campos de golfe, esporte que ele apreciava.
A embaixada em Londres, uma das mais importantes para os Estados Unidos, é normalmente ocupada por indicações políticas. O atual ocupante do posto, indicado por Trump, é o dono do time de futebol americano New York Jets, que contribuiu com US$ 1 milhão para sua campanha. O caso da República Dominicana e do Haiti, países que dividem a mesma ilha, também é revelador. No pobre e violento Haiti, a embaixada é ocupada por um diplomata de carreira. Na sua vizinha mais rica, a embaixada é ocupada por uma indicação política.
A política externa dos Estados Unidos varia de acordo com as decisões do presidente. Ele e seu assessor de segurança nacional, com mais alguns auxiliares, desenham as diretrizes. Por essa razão, a política externa de Washington é errática. A surpreendente revelação de Trump de que houve boa química entre ele e Lula decorre de realidade. Trump disse que só negocia com quem gosta. Ocorreram negociações sigilosas entre os dois lados. Os diplomatas concorreram para que houvesse o encontro “ocasional” nos bastidores da Assembleia Geral da ONU. Diplomatas experientes poderiam evitar que eles se cruzassem. Mas, ao contrário, o objetivo era permitir o encontro, o abraço e o surgimento da boa química entre os dois presidentes. Tudo premeditado. Há muitos interesses comerciais em jogo. Não vale a pena perder tudo por causa menor. Os negócios prevalecem. O Deus é o dólar.
André Gustavo Stumpf, jornalista (andregustavo10@terra.com.br)
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