Obra de empreendimento de alto padrão “engole” viela de Moema
Incorporadora isolou viela atrás de tapumes e portão, junto a terreno de empreendimento em Moema que terá apartamentos de até 261m²

Uma obra para a construção de um empreendimento de alto padrão da incorporadora Tegra, em Moema, na zona sul de São Paulo, “engoliu” uma viela pública do bairro. A rua foi descaracterizada e está isolada pela incorporadora com um portão e tapumes, junto a um terreno que pertence à Tegra.
A via dava acesso a uma vila de três casas no número 60 da Rua Arapapi. Todas elas, assim como os demais imóveis vizinhos à viela, foram compradas pela incorporadora nos últimos anos. Veja antes e depois da rua:
A empresa pretende construir um condomínio de luxo na quadra, com apartamentos de até 261m², quatro suítes e três vagas de garagem. Ao Metrópoles, a incorporadora disse que fará um boulevard público na viela (veja nota mais abaixo).
Imagens do Google Street View mostram que tapumes e um portão cercam a viela, pelo menos desde julho de 2023. Em junho de 2024, a Tegra solicitou a compra da rua à Prefeitura de São Paulo, alegando que o lugar se tratava de área “remanescente de vila”.
O pedido de compra continua sob análise da gestão Ricardo Nunes (MDB). A Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbanas e Obras (SIURB), no entanto, já se manifestou no processo dizendo que não via problema na alienação da área, desde que fossem demolidos os sobrados da vila.
“Desde que sejam demolidos os três sobrados, e tais lotes sejam remembrados à área da passagem e respectivo balão de retorno, e não havendo interesse hidráulico na passagem, nem interesse viário na passagem, nada há a se opor à aquisição pleiteada sob o aspecto viário”, afirma o parecer assinado pela SIURB.
A Companhia de Engenharia e Tráfego (CET), por sua vez, afirmou que a via “já está incorporada pelo empreendimento do interessado” e que, “nas condições atuais”, não é importante para o sistema viário da cidade.
7 imagens
Fechar modal.
1 de 7
Portão de acesso fecha acesso à viela invisível em Moema após ação da incorporadora Tegra na ruaJessica Bernardo / Metrópoles2 de 7
Do lado de dentro do portão, viela que dava acesso à vila na Rua Arapapi some em meio terreno da Tegra em Moema. Jessica Bernardo / Metrópoles3 de 7
Imagem aérea do dia 22 de agosto de 2025 mostra que viela desapareceu em meio aos terrenos comprados pela TegraReprodução / Google Earth 4 de 7
Viela dava acesso a três casas de vila que ficavam no número 60 da Rua ArapapiArte Metrópoles5 de 7
Logo da Tegra em tapume metálico que cerca terreno ao lado de viela engolidaJessica Bernardo / Metrópoles6 de 7
Tegra comprou todos os imóveis de um dos lados da Rua ArapapiJessica Bernardo / Metrópoles7 de 7
Na mesma rua, outro portão dá acesso à terrenos comprados pela Tegra e que estão desocupados agoraJessica Bernardo / Metrópoles
O caso se assemelha ao da Travessa Engenheiro Antônio de Souza Barros Júnior, nos Jardins, em que a construtora Helbor também comprou todos os imóveis de uma vila que eram acessados pela rua e pediu a venda da travessa à prefeitura. Como mostrou o Metrópoles, a gestão Nunes quer passar o endereço à Helbor por R$ 16 milhões.
A venda, no caso dos Jardins, foi autorizada pela Câmara Municipal de São Paulo no início do mês, com a aprovação de um projeto que também liberou a comercialização de outros cinco endereços da cidade (relembre aqui).
O Metrópoles perguntou para a prefeitura se a gestão pretende pedir a autorização da Câmara Municipal para vender a viela na Rua Arapapi. Em nota, a gestão Nunes disse que o pedido para alienação da área está “em fase inicial de análise”, e que a decisão final dependerá de uma “rigorosa verificação do interesse público”.
“Qualquer proposta, se confirmado o interesse público, será, oportunamente, submetida à apreciação da Câmara Municipal. A alienação de bens públicos é um instrumento legal e constitucionalmente previsto para uma gestão eficiente dos recursos municipais”, diz a nota.
A reportagem também questionou quais medidas a prefeitura tomou para interromper a ocupação da incorporadora na viela. A gestão disse que a Subprefeitura Vila Mariana vistoriou a Rua Arapapi e “constatou que a via se encontra livre e desimpedida”. Nas fotos enviadas, no entanto, é possível ver os tapumes e o portão instalados pela incorporadora impedindo o acesso à viela. Veja:
2 imagens
Fechar modal.
1 de 2
Divulgação / Prefeitura de São Paulo2 de 2
Divulgação / Prefeitura de São Paulo
O interesse pelas vilas
O caso da viela em Moema não é o único em aberto da prefeitura neste momento. Em Pinheiros, na zona oeste, a Gea Administração de Bens solicitou a venda da rua interna de uma vila cujos imóveis foram comprados por ela.
No processo enviado à gestão Nunes, a empresa diz que seus imóveis não podem ter outra finalidade sem que a viela seja alienada e alega que a rua não está ocupada atualmente.
Pelo menos desde 2017, no entanto, as casas da vila são usadas de forma comercial pela loja de revestimentos Ibiza, que fechou a passagem com um portão e usa o espaço interno para exposição de peças de revestimento e até uma banheira. Veja como está o lugar agora:
3 imagens
Fechar modal.
1 de 3
Para acessar o local é preciso passar dentro da loja de revestimentos Jessica Bernardo / Metrópoles 2 de 3
Passagem interna e praça de manobra pública que dava acesso à casas está tomada por decorações e mostruários da lojaJessica Bernardo / Metrópoles3 de 3
Rua de acesso à antiga vila é fechada por portão ao lado da entrada de loja de revestimentos e vira estacionamentoJessica Bernardo / Metrópoles
O arquiteto e urbanista Kazuo Nakano diz que o interesse das construtoras pelas áreas onde existiam vilas tem relação direta com a localização destes terrenos.
“Não é a vila que importa, é a localização em si. A gente está falando de bairros valorizados em que você tem demanda por prédios de médio e alto padrão”, conta ele, que é professor do Instituto das Cidades da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
O especialista defende que a prefeitura deve preservar as ruas como lugares públicos e diz que, ainda que em alguns casos as vilas da cidade já sejam fechadas com portões de acesso, a venda dessas vias significa abrir mão deste espaço para sempre.
“Essas vilas, mesmo quando fechadas com portão, as ruas que davam acesso a elas não deixavam de ser públicas. Por isso, você podia controlar o acesso, mas não podia impedir ninguém de entrar lá. Agora se a prefeitura concordar em vender, ela passa a ser patrimônio privado”.
O vereador Nabil Bonduki (PT) acionou a Controladoria Geral do Município contra os processos de alienação das vielas nas ruas Arapapi e Fradique Coutinho. No caso da viela ocupada pela Tegra, o parlamentar alegou, entre outros, que há “falta de ação efetiva da municipalidade” para interromper a ocupação da viela pela incorporadora.
Ao Metrópoles, o petista disse que o caso é um exemplo de como o mercado imobiliário está avançando sobre as ruas da cidade.
“A incorporadora está ocupando a rua de maneira irregular, e é mais um exemplo, entre os vários que nós temos visto na cidade de São Paulo, em que as ruas acabam virando um anexo de empreendimentos imobiliários. […] Se a moda pega, daqui a pouco uma incorporadora compra os dois lados da rua e depois compra a rua e anexa.”
Segundo ele, a controladoria respondeu ao ofício dizendo que a fiscalização no local cabe à subprefeitura.
Leia também
-
São Paulo
Faria Lima: briga por leito de rio envolve Prefeitura e até McDonald’s
-
São Paulo
De igreja a moradia popular: entenda emendas que privatizam ruas de SP
-
São Paulo
Câmara autoriza Prefeitura a vender rua nos Jardins para incorporadora
-
São Paulo
MPSP alega “dano irreversível” e quer suspensão de PL que vende ruas
Outro lado
Procurada pelo Metrópoles, a incorporadora Tegra, apesar de ter solicitado a aquisição da viela na Rua Arapapi à gestão Nunes, alegou que o local “nunca foi uma via pública” e que a prefeitura, na verdade, “se apropriou” de uma área que não foi formalmente registrada pelo antigo proprietário.
Em nota, a incorporadora disse que prevê um projeto que transformará o local em um boulard, com acesso à população.
“Apesar do impacto e do prejuízo financeiro, a empresa segue os trâmites legais e, no projeto em análise, prevê transformar o local em um boulevard público revitalizado, que ampliará a mobilidade, valorizará o entorno e beneficiará a comunidade. Atualmente, a Tegra garante a segurança da área com recursos próprios, evitando invasões”, finaliza o texto.
Veja imagem do projeto que a Tegra diz esperar desenvolver no local:
Tegra diz que fará boulevard em local onde antes havia viela
O Metrópoles não conseguiu contato com a Gea Administração de Bens para comentar o caso da Rua Fradique Coutinho. O espaço está aberto para manifestações. Em nota, a prefeitura disse que o pedido da Gea está em análise pelas áreas técnicas e jurídicas e que a decisão final também dependerá de uma rigorosa verificação do interesse público.
“A Subprefeitura Pinheiros realizará uma ação de fiscalização no local. Caso sejam constatadas irregularidades, serão adotadas as medidas cabíveis. É importante destacar que a administração regional não recebeu solicitações de fiscalização referentes ao endereço”, afirma a nota.
What's Your Reaction?






