Sequelas mentais pós-AVC são ignoradas, dizem especialistas no Sarah
Médicos e terapeutas apontam que responsáveis pelo tratamento e até pacientes podem não perceber comprometimentos cognitivos pós-AVC

Após o acidente vascular cerebral (AVC), uma das principais preocupações é retomar a capacidade de fala e de caminhar dos pacientes. No entanto, esse enfoque acaba deixando uma série de sequelas dos derrames invisibilizadas.
Embora muitas vezes sejam negligenciados na neurorreabilitação, os déficits cognitivos pós-AVC afetam cerca de 60% dos pacientes. O alerta foi feito durante o 1º Congresso Latino-Americano da Federação Mundial de Neurorreabilitação (WFNR), realizado no Hospital Sarah, em Brasília.
Em uma mesa realizada nesta quinta-feira (8/5), a neuropsicóloga Luciana Schermann Azambuja alertou que embora os efeitos cognitivos sejam tão difundidos, ainda é raro que sejam feitas avaliações neuropsicológicas desde o início da reabilitação. “As questões motoras são mais evidentes, mas por que insistir apenas em reabilitar o corpo e ignorar o cérebro que o comanda?”, questiona.
Ela alerta que a invisibilização das sequelas é ainda maior para pacientes que tiveram o hemisfério direito afetado pelo AVC. Eles podem ter a percepção espacial prejudicada, dificuldade de manter a atenção, de desenhar ou de processar imagens e outras ferramentas não-verbais, além de alterações de personalidade como falta de empatia e dificuldade de processar emoções.
“Como a fala, dominada pelo hemisfério esquerdo, permanece intacta e os pacientes conseguem se comunicar naturalmente, muitas vezes nem o paciente percebe suas dificuldades. Na realidade, a negação do próprio comprometimento é muito comum entre os pacientes”, alerta o neurologista Jaderson Costa da Costa.
Déficits invisíveis do AVC
Casos clínicos mostram como esses déficits passam despercebidos. O caso de uma médica que sofreu um AVC aos 47 anos foi analisada pelos especialistas durante o Congresso. Embora se comunicasse com naturalidade e não tivesse a memória afetada, a paciente não foi capaz de desenhar um relógio de ponteiro ou uma casa. Ela deixava sempre o lado esquerdo do papel, controlado pelo hemisfério direito do cérebro, em branco, sem que se desse conta disso.
A paciente, médica de formação, resistia ao diagnóstico. “Achava que ia retomar suas atividades normalmente”, lembra Luciana. Esse tipo de negação do próprio estado clínico tem nome: anosognosia. Trata-se de uma condição em que o indivíduo não reconhece suas limitações e, por isso, pessoas ao redor devem ser mais atentas que os próprios pacientes ao observar essas limitações.
Sintomas corporais também indicam déficits
Para a fisioterapeuta Suzana Palmini, é fundamental que as neurorreabilitações passem a integrar atividades motoras e neurológicas para que possam de fato reduzir o comprometimento dos pacientes.
“Há alguns casos de pacientes que compensam e mascaram os sinais, mas quando cobrirmos o lado menos afetado pelo AVC e pedimos para que eles executem as ações, se nota que, na prática, muitos deles deixaram de perceber aqueles membros como parte de seu próprio corpo”, alerta Suzana.
Reconstrução da identidade após o AVC
Os comprometimentos cognitivos do AVC podem afetar até a personalidade do paciente sem que se notem as mudanças. “O acidente pode comprometer o self, a percepção de quem se é. Há relatos de pacientes que deixaram de se reconhecer, de entender quem eles são por eles mesmos e, por isso, não podemos pensar que ele estará recuperado sem que reconstrua essa identidade pessoal”, explica Jaderson Costa da Costa.
Para ele, a reconstrução do self é mais rápida se forem incluídos aspectos de transcendência, como a prática de empatia, espiritualidade e experiências místicas. “Pensar na transcendência é fundamental para restaurar a conexão do paciente com o mundo. Não percebemos a nossa existência pelos cinco sentidos: nossa identidade, nosso senso moral, está na rede oculta do cérebro, quando pensamentos deambulam. Incentivar isso deve ser parte da neurorreabilitação”, conclui o especialista.
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