Como o Careca do INSS virou peça-chave nas fraudes contra aposentados
Preso pela PF, lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, o Careca do INSS, deve depor nesta quinta-feira (25/9) na CPMI do INSS

Aguardado para depor na CPMI do INSS nesta quinta-feira (24/9), o lobista Antonio Carlos Camilo Antunes, conhecido como Careca do INSS, é apontado pela Polícia Federal (PF) como o principal operador financeiro do esquema bilionário de fraudes em descontos nos benefícios de aposentados, revelado pelo Metrópoles.
Antunes tornou-se peça-chave na Farra do INSS por ser o elo entre as entidades que descontavam mensalidades associativas das aposentadorias e os dirigentes do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) que autorizavam e fiscalizam as cobranças. Ele está preso desde o dia 12/9, junto com o empresário Maurício Camisotti, ligado a três entidades que pagaram R$ 25,5 milhões ao lobista.
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Antonio Antunes tem uma frota de carros de luxo; maioria apreendida pela PFFoto obtida pelo Metrópoles2 de 3
Carros de luxo apreendidos com o Careca do INSSPolícia Federal3 de 3
BMW apreendida com Careca do INSS estava em nome de esposa de ministro do TCUPolícia Federal
Segundo apurou a reportagem, Antunes queria depor primeiro à PF para depois ir à CPMI do INSS. No Congresso, ele deve usar muito o direito constitucional de ficar calado caso comece a enfrentar perguntas cujas respostas possam incriminá-lo ou implicar outras pessoas, como políticos e clientes.
Na última semana, o Metrópoles revelou que o Careca do INSS também mantém elos com o gabinete do senador Weverton Rocha (PDT-MA), que foi padrinho da indicação do ex-diretor de Benefícios do INSS, André Fidelis, suspeito de receber propina do lobista para assinar Acordos de Cooperação Ténica (ACTs) com entidades da farra dos descontos.
Antunes deve levar o mesmo calhamaço de documentos que entregou à PF para comprovar que prestou serviços às entidades suspeitas e que seus pagamentos a parentes de ex-diretores do INSS envolveram também prestação de serviços a suas empresas.
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Além de representar entidades, o lobista é dono de call centers que prestam serviços na captação de associados das entidades da farra dos descontos indevidos sobre aposentados e, por força de contrato, ganhava 27,5% sobre cada desconto sobre novos filiados.
Antunes é suspeito de corromper ex-diretores e o ex-procurador-geral do INSS com pagamentos a empresas e até mesmo transferência de carros de luxo a parentes deles. A Polícia Federal também investiga suposta lavagem de dinheiro em movimentações milionárias do lobista no Brasil e no exterior.
Milhões das entidades
Somente a PF identificou que o lobista recebeu R$ 30 milhões de associações ligadas à Farra do INSS. Entre elas, estão a Associação dos Aposentados Mutualistas para Benefícios Coletivos (Ambec), o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap) e União Nacional dos Aposentados e Pensionistas do Brasil (Unsbras ou Unabrasil). Juntas, elas faturaram R$ 852 milhões em descontos sobre aposentadorias.
Essas três entidades têm em suas diretorias funcionários e parentes do empresário Maurício Camisotti, apontado como controlador delas e dono de empresas de seguros e planos de saúde que receberam milhões de reais das associações. Nas quebras de sigilo bancário, consta que a Ambec transferiu R$ 11,9 milhões ao Careca do INSS. A Cebap enviou R$ 544 mil.
As entidades Unsbras, Onap, Urap e a Confederação Nacional da Pesca e Aquicultura (CBPA) deram procuração a Antunes. Comandada por um ex-dirigente do Republicanos, a CBPA pagou R$ 4,6 milhões ao Careca do INSS. Outras três associações, a Asabasp, a AP Brasil e a Unbaspub, que também estão também na mira da PF, repassaram R$ 14 milhões ao lobista.
Propinas a agentes públicos
Segundo a PF, o Careca do INSS pagou propina a três dirigentes do INSS. Um deles é o ex-diretor de Benefícios André Felix Fidelis, demitido em julho de 2024, na esteira da série de reportagens do Metrópoles sobre a farra dos descontos indevidos. Ele teria recebido R$ 1,46 milhão do lobista, por meio de pagamentos feitos ao escritório de advocacia de seu filho, Eric Fidelis.
O ex-procurador-geral do INSS Virgílio de Oliveira Filho é suspeito de receber R$ 7,5 milhões do lobista. Em parte, foram pagamentos feitos à empresa de sua esposa. A ela, o lobista também transferiu um Porsche Taycan, avaliado em mais de R$ 500 mil.
Já o ex-diretor de Governança, Planejamento e Inovação do INSS Alexandre Guimarães recebeu, diretamente e por meio de sua empresa, R$ 313,2 mil do Careca do INSS, segundo a investigação.
Relação com senador e camarote
Na última semana, o Metrópoles revelou que o empresário Gustavo Marques Gaspar, homem de confiança do senador Weverton Rocha (PDT-MA), assinou documento que dá poderes ao consultor Rubens Oliveira Costa, apontado pela PF como o “carregador de mala” do lobista Careca do INSS.
A procuração, revelada pela coluna de Tácio Lorran, permite que Rubens Oliveira, responsável por levar a propina a autoridades e políticos envolvidos na Farra do INSS, movimente e saque valores das contas de uma empresa de Gustavo Gaspar, a GM Gestão Ltda.
Weverton Rocha é padrinho do ex-diretor do INSS André Fidelis, que está sob suspeita de receber propina das entidades e do próprio lobista. O Metrópoles também revelou que o Careca do INSS bancou um camarote em um show da banda Red Hot Chili Peppers com servidores do INSS e a presença do número 2 do Ministério da Previdência Social, Adroaldo Portal.
Comissão de 27,5%
Documentos obtidos pelo Metrópoles mostram que Antunes recebia uma comissão de 27,5% sobre cada valor descontado de aposentados pelas associações para as quais atuou durante a Farra do INSS.
O Metrópoles teve acesso a um contrato celebrado pelo lobista em setembro de 2023 com o Centro de Estudos dos Benefícios dos Aposentados e Pensionistas (Cebap), uma das entidades que foram alvo da Operação Sem Desconto.
Após o termo firmado com o Careca do INSS, a arrecadação da entidade com descontos saltou de R$ 574 mil para R$ 9,9 milhões mensais no primeiro semestre de 2024.
O contrato assinado com a Prospect, empresa de Antunes, tem dois serviços previstos. Um deles é a “assessoria comercial para angariação de novos associados elegíveis ao desconto de taxa associativa junto ao INSS”.
Em outra frente, o Careca do INSS atuava na “realização de auditoria interna pela contratada quando solicitado pelo INSS, consultoria para ajustes estatutários necessários ao melhor desempenho das atividades da associação junto ao INSS, consultoria para estruturação e manutenção do acordo de cooperação técnica vigente”.
Lavagem de dinheiro
Segundo a PF, Antunes é sócio de uma empresa sediada nas Ilhas Virgens Britânicas que comprou, em dois meses, três apartamentos em São Paulo e um terreno em Brasília por R$ 11 milhões. Os imóveis foram comprados entre junho e julho de 2024, auge da farra dos descontos do INSS, pela empresa Camilo & Antunes Limited, que também tem como sócio Ricardo Lobo Cavalcanti de Albuquerque.
“A coincidência temporal com o esquema da ‘Farra no INSS’, o uso de uma empresa sediada nas Ilhas Virgens Britânicas e as transações de alto valor reforçam a suspeita de que essas operações foram realizadas com o intuito de ocultar a origem ilícita dos recursos”, diz o relatório da PF. As Ilhas Virgens Britânicas são um conhecido paraíso fiscal no Caribe.
Com o lobista também foram apreendidos diversos carros de luxo. Um deles, como mostrou o Metrópoles, estava em nome da esposa do ministro Jhonatan de Jesus, do Tribunal de Contas da União (TCU). Ele afirma ter vendido o carro ao lobista e que não conhece Antunes.
A casa do lobby
Antonio Carlos Camilo Antunes também articulou, ao lado de Maurício Camisotti, a criação de uma federação para fazer lobby pelos interesses das associações da Farra do INSS.
Como mostrou o Metrópoles, uma mansão no Lago Sul, região nobre de Brasília, chegou a ser mobiliada para uso da Federação Nacional dos Aposentados e Pensionistas (Fenap), que reuniria oito associações — todas suspeitas de praticarem descontos indevidos de aposentados.
Uma agenda chegou a ser planejada para a Fenap. Nela, constam ações de “relações institucionais” junto ao Executivo, Congresso e Judiciário, eventos em estados do Nordeste, elaboração de projetos para “captação de recursos”, e de projeto de lei para defender essas entidades. Com o avanço das investigações, eles abandonaram o plano.
Dono de 15 empresas
Ex-superintendente de marketing de uma gigante do ramo de planos de saúde, Antunes acumulou procurações para atuar em nome de entidades que cobram mensalidades associativas de aposentados.
Ao público em geral, ele se apresentava como “representante” da indústria farmacêutica nos mercados de saúde complementar e afirmava ter ficado dois anos à frente de um laboratório que fornecia medicamentos ao Ministério da Saúde.
Antes da Operação Sem Desconto, deflagrada emabril, ele comandava 15 empresas, de consultoria, construtoras, incorporadoras e de telemarketing, além de firmas em nome de parentes. Foi por meio da consultoria que ele prestava serviços às entidades envolvidas nas fraudes contra aposentados.
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