Conceição Fernandes: a presença e a valia do silêncio na arte

Por Márcio de Lima Dantas Professor de Literatura Portuguesa da UFRN marciomartedantas@gmail.com   1. Conceição Fernandes (Mossoró, 16.05.1957) é atualmente professora aposentada, tendo atuado como professora nas redes estadual e municipal. Dedica-se às atividades que aprecia e preenche seu tempo com jardinagem e pintura. Estudou Arteterapia pela Universidade Potiguar. Ingressou no curso de Educação Artística […]

Sep 5, 2025 - 11:30
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Conceição Fernandes: a presença e a valia do silêncio na arte

Por Márcio de Lima Dantas

Professor de Literatura Portuguesa da UFRN

marciomartedantas@gmail.com

 

1.

Conceição Fernandes (Mossoró, 16.05.1957) é atualmente professora
aposentada, tendo atuado como professora nas redes estadual e municipal.
Dedica-se às atividades que aprecia e preenche seu tempo com jardinagem e
pintura. Estudou Arteterapia pela Universidade Potiguar. Ingressou no curso
de Educação Artística na UFRN, tendo sido aluna de escultura de Socorro
Evangelista, que acabou assumindo o papel de mestra. Foi assim que surgiu
o seu interesse pela terceira dimensão, pela escultura em diversos materiais,
sobretudo o mais simples: a argila. Outrossim, estudou cerâmica e
modelagem com Regina Guedes.
De temperamento inquieto, não poderia ficar presa a um só material; por isso
lhe chegaram, quase que naturalmente, os diversos meios para formatar seus
trabalhos na escultura, tais como pedra-sabão, arenito, pedra grês, resina,
mármore sintético, marmoline imitando granito, concreto patinado, resina
imitando granito.
Ora, o fato de amanhar materiais vários fez com que organizasse na sua
mente uma coleção tanto de minérios como de texturas ou de paleta diversa,
já que as esculturas, durante o processo de mistura do material primário,
recebem cor diferente uma da outra. Esse fenômeno ocorre sempre que se
misturam dois materiais de origem diferente, sejam naturais, como a argila,
sejam sintéticos. Quase sempre é uma cor baça e, caso o artista saiba
desenhar as linhas da peça, origina-se uma escultura de beleza e linhas
simples, quase sempre estilizada ou que remete a uma imagem do corpo
humano. É o caso de Conceição Fernandes.
Embora tenha se destacado nas artes visuais, em pinturas que logo
comentaremos, foi na escultura que repontou com uma originalidade que a
fez brilhar com intensidade, criando peças de grande lavor. Sua intrínseca
heterogeneidade a fez engendrar esculturas de grande sensualidade, tanto
manuseando um par como grupos de pessoas em momentos lascivos. Mesmo
que alguns ponham nossa cabeça em dúvida, como outros que se lançam
mais para o explícito, não há como conduzir a outro pensamento se não o da
dança em grupos de indivíduos despidos.
Para apreciar a obra de Conceição Fernandes, necessário se faz abster-se de
uma moral que a sociedade insiste em querer apontar, ditando como deve ser
o comportamento das pessoas quando se trata do nu sem rodeios, mas
explicitando uma naturalidade, sem pudor e sem os necessários grilhões que
a cultura ensinou desde sempre a ser e parecer. Como podemos ver, sua obra
é multifária, inquieta e plena de uma identificação com o heterogêneo,
refratando repetições que conduzam a imitações de si mesma ou de outros
escultores.

2.

Na sua pintura, destaca-se como exímia retratadora das paisagens naturais,
sobretudo de pequenos córregos descendo entre pedras e vegetação. Com
efeito, parece que o contemplar uma natureza mais agreste, sem levar os
índices nos quais o humano encontra-se subliminar, conduz a um conjunto
de telas no qual não há a presença de habitantes, sujeitos voltados para algum
ofício ou exercitando alguma espécie de elaborar o que pode ser feitio das
pessoas, como cortar sebes, podar, fazer mudas, ou qualquer que seja, desde
que remeta ao trabalho com a vegetação.
Essa série é bastante curiosa na sua deliberada maneira de se confrontar com
o real. São muitas telas de um delicado impressionismo, sendo que metade
procura retratar o solo com seus riachos, suas opulentas árvores e algumas
casas despidas do elemento humano. Essas paisagens rurais evocam o
silêncio e uma vida bucólica, que faz lembrar o ideal do Romantismo: o culto
à natureza e a fuga da cidade em busca de um locus antípoda à agitação do
urbano.

3.

Essa ânsia por lugares plácidos, nos quais estão presentes signos que
remetem ao sossego, aparece de diversas maneiras, desde um banco com
uma menina e sua bicicleta, como se estivesse descansando do passeio,
rodeada por árvores com folhas amarelas, sugerindo uma estação outonal.
Pode-se considerar o signo do silêncio como quedo e sereno, antípoda ao
burburinho dos parques urbanos.

4.

Na pintura de Conceição Fernandes, há uma coleção de animais e flores que
reforça a nossa relação com elementos do Romantismo. Além dos córregos
singrando entre pedras e árvores, em recortes que não apontam o lugar onde
fica o estuário (se é que há), suas pinturas apenas se comprazem em evocar
símbolos do silêncio e de uma vida tranquila.
Reforçando esse silêncio no qual a presença humana não foi posta como um
dos elementos da tela, como já disse, a pintora preocupou-se em retratar uma
coleção de animais sempre em um estado que lembra a tranquilidade: os
peixes deslizando como se fossem em um aquário, cavalos-marinhos,
pássaros sobre galhos, flores como o lírio, estrelítzia. As flores firmam-se na
tela, causando no espectador dois fenômenos: o preciso retrato de um objeto
da realidade e o estético. Elaboradas sobre tela ou madeira, pintadas com
acrílica ou óleo, as pinturas não abandonam seu quase obrigatório culto ao
silêncio.
Essa abundância de flores de muitas qualidades, pintadas com esmero e
exímio cuidado, conferem uma realidade cujo remanso parece ser uma
proposta a que se viva buscando uma quietude interior, contrapondo-se à
realidade que nos atribula e acaba por nos fazer confundir o que se quer de
verdade como forma de existir, como forma de estar quedo no mundo, como
forma de elevar o silêncio a um exercício de espiritualidade, soprando
a azáfama que nos rodeia, quer dizer, uma sociedade que o tempo todo nos
cobra, de tempos em tempos, determinadas maneiras de nos comportarmos.

5.

Com efeito, cada tempo detém suas tiranias, suas imposições, demandas que
vão da moda à alimentação, passando pelo vocabulário, enfim, deixando
muito pouco o que o Espírito do Tempo anterior tenha deixado. Trata-se de
uma sociedade com eventos nos quais predominam a zoada e uma felicidade
artificial. As redes sociais vieram enterrar de vez valores como a amizade, o
bem-querer ou o silêncio sadio de uma busca de si mesmo. O silêncio desses
tempos da informática é extremamente tóxico e narcisista; as pessoas não
largam os celulares, onde quer que estejam.
Quero dizer com isso que outra espécie de silêncio foi criada, fazendo com
que as pessoas fiquem consigo mesmas e manuseando os celulares. Esse
silêncio é distinto do proposto pela pintura de Conceição Fernandes, sendo
este muito mais uma busca de autoconhecimento ou certo desprezo por essa
sociedade cuja soberba e cujo narcisismo foram elevados a valores
equívocos. O que aparece é que essa mudez, esse remanso mórbido, veio
para ficar. Lamentavelmente. Resta contemplar, de maneira tácita, o silêncio
de uma pintura propondo outra forma de ser, diferentemente da que impera
nos dias de hoje.

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