Emanoel Araújo, o legado que resiste e inspira (por Hubert Alquéres)
Criador do Museu AfroBrasil, artista e curador construiu um projeto de país ancorado na memória, na educação e na valorização da diversidade

Neste 7 de setembro, completam-se três anos da morte de Emanoel Araújo, artista, curador e fundador do Museu Afro Brasil. Sua ausência ainda ressoa, mas sua obra segue viva, inspirando novas gerações e lembrando-nos do poder transformador da cultura.
Emanoel Araújo foi um artista de extraordinária potência estética e simbólica. Suas esculturas, gravuras e pinturas integram acervos de museus de prestígio, como o MASP, o MAM, o Museu de Belas Artes da Bahia, o Museu Nacional de Belas Artes, além de instituições internacionais. Suas obras também estão presentes em coleções particulares, edifícios públicos e, com especial impacto formativo, em escolas como o Colégio Bandeirantes, onde alunos e professores convivem cotidianamente com sua arte. Seu legado segue inspirando novas gerações: de 7 de novembro a 8 de fevereiro de 2026, o Farol Santander — localizado no coração histórico de São Paulo — realizará uma grande mostra dedicada à sua obra, com curadoria de Fabio Magalhães.
A singularidade de seu trabalho está na fusão entre tradição afro-brasileira, rigor formal e afirmação cultural enraizada na ancestralidade e no protagonismo negro, o que o torna uma referência incontornável na arte brasileira contemporânea.
Sua obra maior, o Museu Afro Brasil, nasceu de uma visão singular: mostrar que a presença negra não se resume ao estigma da escravidão, mas constitui um dos pilares da civilização brasileira. Em seu texto seminal Um Museu em Perspectiva, Emanoel Araujo foi claro ao afirmar que este não seria um museu excludente, mas um espaço público universalista, voltado à valorização da ancestralidade africana em diálogo com a sociedade como um todo.
Ele via a questão racial não como um discurso de isolamento, mas como um campo fértil de afirmação e diálogo com o mundo — uma visão universalista que deu origem a um museu multifacetado, onde arte, memória e identidade se entrelaçam com a função educativa e a vocação pública de formar pertencimento.
Sua curadoria, marcada por excelência, coerência e ampla interlocução, foi decisiva para consolidar o Museu como referência nacional e internacional.
Desde sua criação em 2004 e sua integração à rede pública estadual em 2007, o Museu se consolidou como instituição de referência. A exposição permanente reúne uma coleção inestimável doada pelo próprio Emanoel, trazendo à tona a riqueza da produção afro-brasileira em suas múltiplas dimensões. A biblioteca e a área de pesquisa ampliam esse papel como centro de memória e conhecimento. O programa educativo, conduzido por uma equipe altamente qualificada, recebe milhares de estudantes a cada ano, acompanhados de seus professores, e cumpre papel essencial na aplicação da Lei 10.639/2003, que tornou obrigatória a inclusão da história e da cultura afro-brasileira nos currículos escolares. Nesse sentido, o Museu atua como agente formador não só de estudantes, mas de toda a sociedade, contribuindo para a construção de um imaginário coletivo mais justo e plural.
Mais que um espaço de exposições temporárias, o Museu Afro Brasil é, sobretudo, um projeto de educação e pertencimento, capaz de formar cidadãos mais conscientes de sua história. Emanoel soube, desde o início, mobilizar diferentes aliados nessa construção. Quando convidou Ruy Souza e Silva para o Conselho, ouviu dele a ressalva: “Mas, Emanoel, eu não sou negro”. A resposta foi imediata e altiva: “O Museu é Afro Brasil. Tem que ter de tudo.” Essa frase sintetiza o espírito de abertura e pluralidade que sempre orientou sua visão.
É legítimo debater caminhos e propor novos olhares. Mas é fundamental não perder de vista que o Museu Afro Brasil é um patrimônio público, de todos os brasileiros. Três anos após a morte de seu fundador, reafirmar esse caráter é o maior tributo que se pode prestar a Emanoel Araújo. Seu legado é inegociável: a valorização da ancestralidade africana, o compromisso com a memória e a história, a centralidade da educação e a construção de pontes entre passado e futuro. Este é o horizonte que deve seguir guiando o Museu Afro Brasil.
Apaixonado pelo Brasil e por sua cultura plural, Emanoel Araújo nasceu em 15 de novembro, data da Proclamação da República, e faleceu em 7 de setembro, dia da Independência — dois marcos da construção nacional à qual ele dedicou sua obra e sua vida.
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Hubert Alquéres é presidente da Academia Paulista de Educação, vice-presidente da Câmara Brasileira do Livro e membro do Conselho Estadual de Educação.
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