OJU salvou a sexta

Mostra de filmes negros vai até dia 11 de setembro

Sep 6, 2025 - 13:00
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OJU salvou a sexta

Há dias que o trabalho é inaceitável, faz jus à etimologia da palavra, tortura, um mal-estar que atravessa a mente e ataca os músculos com indignação e desânimo. Mas as contas começam a levitar frente aos olhos, em uma realidade aumentada que nada tem de virtual. A sobrevivência e o medo, essa força incomum, impera. Ligo o computador. Quando o mundo acabar, só sobrarão baratas e boletos.

Vejo os melhores momentos da vitória da seleção brasileira contra o Chile. Vejo a despedida de Messi em jogos oficiais na Argentina. Vejo as semifinais femininas do US Open. O esporte é minha fofoca, minha página de celebridades onde pouco sei de vida pessoais, pois me concentro nesse itinerário de vitórias e derrotas que tanto ensinam sobre a vida e negócios bilionários. Escrevo um texto e vou à cozinha fazer mais um café.

Uma lâmpada queimada na sala desata um desejo de zelo, e mergulho no clichê de quem cuida de sua casa, cuida de si mesmo. Poderia concluir que é mais um adiamento, mas essa pequena ação aquece o peito, lavo a louça, troco os lixos e limpo o banheiro, cuja saudade de desinfetantes já envergonhava. Faço uma pesquisa e organizo uma entrevista domado por certa dopamina.

Acelero, termino o possível e sem arrependimento corro até o Cinesesc, tradicional cinema de rua na Augusta, em São Paulo. Fica até o dia 11 de setembro a 4a. edição do OJU – Rodas de Cinema Negro. Confira a programação em várias unidades do Sesc. Vou assistir a Três Obás de Xangô, documentário de Sérgio Machado sobre a amizade entre Carybé, Jorge Amado e Dorival Caymmi, suas artes, suas visões de mundo e seus abraços ao Candomblé.

A obra começa essa reflexão: “Liturgia significa o poder do povo enquanto consenso; política significa o poder do povo enquanto diferença. Os Obás de Xangô são um ordenamento político-litúrgico” Instituído  por Mãe Aninha, o corpo de Obás (que os três amigos integravam) mediava a relação entre o terreiro de candomblé e a sociedade. Em trinta segundos, já oferece uma hora e meia de debate no boteco.

A narrativa entrelaça a história do Candomblé em Salvador, os personagens do Pelourinho presentes na obra de Jorge Amado, o mar, os barcos, os pescadores e o vento amados por Caymmi, essa cidade, essas pessoas, um mistura de invenção e fotografia da Bahia cujos traços de Carybé parecem sintetizar. Engraçadíssimas as troças entre os três. Amado repete algumas vezes: “A amizade é sal da vida”. Não vou me alongar, só recomendar o longa.

Tomei uma cerveja para me preparar para o filme seguinte: “Brasiliana: o musical negro que apresentou o Brasil ao mundo”, do fundamental Joel Zito Araújo. Dissidência do Teatro Experimental do Negro e capitaneada por Haroldo Costa (o Brasil precisa render mais homenagens a esse homem), a companhia de dança celebrava as matrizes africanas de nossa cultura e era composta por músicos e dançarinos negros. A música sob a batuta do maestro José Prates, outro ilustre desconhecido para mim. Destaque para os arranjos do musical Navio Negreiro.

Joel Zito fez uma escolha arriscada ao decidir celebrar a trajetória desses artistas. Ficam em segundo plano o racismo, a exploração da imagem sexualizada de homens e mulheres negras que resumiu o Brasil for Export, o enriquecimento do empresário Miécio Askanasy, que comandou o grupo após um racha com Haroldo Costa, em detrimento dos baixos salários dos artistas – só o café e o transporte eram garantidos, o que obrigava a almoços e jantares improvisados em quartos de hotel.

O diretor está mais preocupado em mostrar a história das pessoas, artistas que, apesar dos problemas, viram na companhia a oportunidade de uma vida, viajar, ao se apresentar e fazer sucesso nos palcos europeus entre os anos 1960 e 1970, deixando um Brasil que pouco valor e espaço oferecia para seus talentos. A obra apresenta também as idiossincrasias do machismo e do racismo para essa geração.

Os dois filmes salvaram minha sexta. Saí do Cinesesc ávido para pesquisar sobre tudo, ler mais Amado, ouvir mais Caymmi e José Prates. É isso que muitas vezes faz a Cultura, faz da busca um sentido para a vida.

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